sábado, 2 de junho de 2007

Texto crítico

"No meio do caminho" é o que se pode chamar de poema-escândalo. Publicado pela primeira vez na modernista Revista de Antropofagia, em 1928, deflagrou uma saraivada de críticas na imprensa.

Violentos, irônicos, corrosivos, os críticos simplesmente desancavam o autor dos versos e diziam, em suma, que aquilo não era poesia.

Reacionários e gramatiqueiros, eles se sentiam provocados pelas repetições do poema e pelo "tinha uma pedra" em lugar de "havia uma pedra".

Este é o poema mais característico da poesia que celebra o acontecimento como tema poético. A repetição exaustiva do acontecimento cria evidentemente uma sonoridade hipnotizante, sugerindo uma espécie de idéia fixa que mantém o eu-lírico preso ao fato surpreendente. A estrutura do poema colabora para que essa fixação ganhe realce visual, porque coloca em evidência a informação "tinha uma pedra no meio do caminho", isolada por dois versos idênticos (primeiro e último da 1ª estrofe). Esquema semelhante se verifica na 2ª estrofe.

As insistentes repetições e a linguagem simples constituíram motivo de muita polêmica e de diversas interpretações. De todo modo é inegável a originalidade com que Drummond expressa a situação de dificuldade, de impedimento, de impasse que surpreende o homem. É interessante perceber também o modo inventivo com que o poeta invoca e brinca com a tradição: imita a Divina comédia, de Dante Alighieri, que assim inicia a descida ao Inferno: "No meio do caminho da nossa vida, tendo perdido a rota verdadeira, achei-me embaralhado em selva tenebrosa". De modo bem humorado, lembra também o encontro de um grande amor, cantado por Bilac no soneto.

Além do título, que remete não só a Bilac, mas também a Dante Alighieri (o primeiro verso da Divina Comédia é "Nel mezzo del camin de nostra vita"), Drummond imitou o esquema retórico do soneto bilaquiano, isto é, em vez de parodiar o significado, promoveu um tipo especial de paródia: empenhou-se na imitação irônica da estrutura, reproduzindo apenas o quiasmo (repetição invertida) do texto, sem deixar de aludir rapidamente à imagem dos olhos, no centro do poema. Perceber que "No Meio do Caminho" se baseia na reiteração irônica de uma figura da retórica clássica é já captar parte de seu significado, que decorre da intenção de acusar o cansaço da tradição. Além disso, Drummond atribui dimensão alegórica ao vocábulo pedra, que pode ser entendido como símbolo dos obstáculos que a gente encontra na vida, conforme sugeriu Antônio Cândido.

Hélio Consolaro