domingo, 17 de junho de 2007

Por que, por quê, porque ou porquê?

Melhor do que ninguém, deixo o Prof. Pasquale Cipro Neto nos ensinar o uso dos porquês:

Certa vez alguém me perguntou sobre o acento circunflexo presente num título de uma revista ("Você tem cheiro de quê?"). O acento é correto, já que esse "quê", que encerra uma frase interrogativa direta, é emitido tonicamente. Releia a frase: "Você tem cheiro de quê?". Percebeu? Quando vem no meio da frase, o "que" normalmente é átono, ou seja, fraco, e é emitido por boa parte dos brasileiros como se fosse "qui": "Quero o que você quiser". Notou? Quando emitido tonicamente, o "que" é acentuado, por ser monossílabo tônico terminado em "e". Isso normalmente ocorre quando o "que" encerra a oração.

Há outras situações em que se deve acentuar o "que", o que ocorre, por exemplo, quando a palavrinha tem valor de substantivo ("Ela tem um quê de magia") ou de interjeição ("Quê! Vocês por aqui?").

A pergunta que me fizeram sobre o título da revista me fez lembrar que é imensa a pilha de cartas de leitores que querem saber quando usar "por que", "porque", "por quê" e "porquê". Já tratei do assunto há um bom tempo, mas sempre vale a pena voltar a ele.

Aviso logo que o que vigora no Brasil não vigora em Portugal, quando o assunto é "por que", "porque" etc. Se você estiver lendo Saramago, por exemplo, esqueça o que verá neste texto. Não me parece que seja o caso de ver agora como se usa isso em Portugal. Esqueça também (e completamente) aquela velha história de que só se escreve "por que" ("separado", como se diz) quando há ponto de interrogação, e só se escreve "porque" ("junto", como se diz) quando não há ponto de interrogação.

Posto isso, vamos lá. Há basicamente dois casos em que se usa "por que". Num deles, pouco comum, temos a equivalência com as expressões "pelo/a qual", "pelos/as quais": "São indescritíveis os caminhos por que (= pelos quais) tivemos de passar"; "As teses por que (= pelas quais) luto nem sempre são compreendidas". No outro caso, o "por que" equivale a "por que razão", "por qual razão": "Por que (= por que razão, por qual razão) no Brasil não se consegue criar uma sociedade mais justa e equilibrada?"; "Faço questão de saber por que (= por que razão, por qual razão) você é tão áspero com ela".

Já o "porque" ("junto") introduz explicação ou causa do que se afirma: "Não vou porque estou doente"; "Não voto nele porque seus projetos sociais são pífios".

Como já afirmei, não é a presença (ou a ausência) do ponto de interrogação o que decide se é "junto" ou "separado". Veja este caso: "Você não foi porque estava doente?". O que se pergunta não é por que a pessoa estava doente, mas, sim, se a doença foi o motivo, a causa da ausência dessa pessoa. É por isso que, mesmo com ponto de interrogação no fim da frase, esse "porque" é "junto".

Note que às vezes é justamente a grafia ("junto" ou "separado") o que decide o sentido da frase: "Ninguém sabe por que ele não explicou"; "Ninguém sabe porque ele não explicou". No primeiro caso, ninguém sabe por qual razão ele não explicou, ou seja, desconhece-se o motivo de ele não ter explicado. No segundo, muda tudo. O fato de ele não ter explicado é o motivo de ninguém saber, isto é, as pessoas saberiam se ele tivesse explicado; como ele não explicou, continuaram sem saber.

E quando se coloca acento em "por que" e "porque"? É simples. No primeiro caso, basta que a oração termine ali: "Por quê?"; "Ele não vai, e ninguém sabe por quê". É "separado" porque equivale a "por qual razão" ("Por qual razão?"; "Ele não vai, e ninguém sabe por qual razão/por que razão"); é acentuado pelas mesmas razões que você viu no início do texto, quando da explicação do título da revista ("Você tem cheiro de quê?").

Para acentuar "porque" ("junto"), é preciso que essa palavra seja substantivo. Nesse caso, normalmente "porquê" acaba sendo sinônimo de "motivo", "causa": "Não entendemos o porquê (= motivo, a causa) da demissão do ministro"; "Ele não revelou o porquê (= o motivo, a causa) da renúncia".

Se você gosta de "curto e grosso", talvez seja possível resumir a história assim: quando equivale a "pelo/a qual", "pelos/as quais" ou a "por que razão", "por qual razão", grafa-se "por que" (com acento, se a oração terminar ali). Quando não, grafa-se "porque" (com acento, se for substantivo).

Não custa lembrar que é preciso tomar cuidado com o que se vê por aí em cartazes, rótulos, faixas, avisos públicos, textos publicitários etc. Muitas vezes, o que tinha de ser junto vem separado, e o que tinha de ser separado vem junto.