segunda-feira, 23 de julho de 2007

A Carta de Pero Vaz de Caminha

Leitura organizada da Carta, a partir da estrutura do texto:

Posto que o Capitão-mor dessa Vossa Frota, assim como os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento dessa Vossa terra nova que agora nesta navegação se achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que - para o bem contar e falar - o saiba fazer pior que todos.

Entretanto, tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosear nem afear, aqui não se há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.


- Nos dois primeiros parágrafos de sua carta, Caminha explica seu objetivo com ela: dar conta ao rei do ocorrido, sendo fiel aos fatos, sem acrescentar ou tirar nada.
- Nos 3 parágrafos seguintes, o autor relata brevemente o desenrolar da viagem até que, a partir do sexto parágrafo, começa efetivamente o relato do descobrimento e da exploração do Brasil.

Da marinhagem e das singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Majestade - porque não saberei fazer e os pilotos devem ter este cuidado - e portanto, Senhor, do que hei de falar começo e digo. Que a partida de Belém foi como Vossa Alteza sabe, segunda- feira, 9 de março.

- Os dois parágrafos que vêm a seguir tratam dos primeiros sinais de terra e da primeira vista de terra que tiveram: o Monte Pascoal.

E na quarta-feira seguinte, pela manhã (22 de abril de 1500), topamos aves a que chamam fura-buchos e, neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra. A saber, primeiramente, de um grande monte, muito alto e redondo e de outras serras mais baixas ao sul dele e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o Capitão pôs o nome de Monte Pascoal e, à terra, Terra de Vera Cruz.

- Deste ponto, em diante, Caminha começa a descrever a população local, os índios, e seus primeiros contatos com os portugueses.

Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas, traziam arcos nas mãos e suas setas. Vinham todos rijos em direção ao batel e Nicolau Coelho fez sinal para que pousassem os arcos, e eles pousaram. Ali não pode deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente lhes deu um barrete e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. E um deles lhe deu um sombreiro de penas de aves, compridas, com uma copazinha pequena de penas vermelhas e pardas como de papagaio, e outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de algaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza.

- Para, em seguida, contar um pouco das primeiras explorações da terra recém descoberta.
- Ocupa dois parágrafos para descrever os índios com mais detalhes.

A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus sem nenhuma cobertura. Não fazem caso de cobrir ou mostrar suas vergonhas. E o fazem com tanta inocência como mostram o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos por eles ossos brancos verdadeiros do comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feito como roque-de-xadrez. E de tal maneira o trazem ali encaixado que não magoa nem lhes estorva a fala, nem comer, nem beber.

- Os próximos parágrafos falam sobre o comportamento dos nativos quando do contato com os brancos.

Acenderam tochas e eles entraram e não fizeram nenhuma menção de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão a acenar com a mão para a terra, e depois para o colar, como que nos dizendo que havia em terra ouro. E também viu um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e então para o castiçal como que havia lá também prata.

Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo. Tomaram-no logo nas mãos e acenaram para a terra como que dizendo haver deles ali.

Mostraram-lhes um carneiro e não fizeram caso dele.

Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo dela e não lhe queriam por a mão, depois a tomaram mas como espantados.

Deram-lhes ali de comer: pão e pescado cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo lançavam fora.

Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram à boca só de passagem, não gostaram nada dele, nem quiseram mais.


- Caminha conta, a seguir, sobre animais comestíveis encontrados na nova terra.
- Prossegue se ocupando dos vegetais comestíveis encontrados.
- Descreve as casas dos nativos e trata um pouco de sua alimentação e hábitos.

Eles não lavram, nem criam, nem há aqui boi nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem nenhuma outra alimária que seja acostumada ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame que aqui há muito e dessa semente e frutos que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios, o que não somos nós tanto com quanto comemos de trigo e legumes.

Enquanto ali neste dia andaram sempre ao som de um nosso tamboril, dançaram e bailaram conosco. De maneira que são muito mais nossos amigos que nós seus.


- Relata o que viu da fauna local

Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas árvores, deles verdes e outros pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece que haverá nesta terra muitos, mas eu não veria mais que até nove ou dez. Outras aves então não vimos, somente algumas pombas seixas e pareceram-me maiores em boa quantidade que as de Portugal. Alguns diziam que viram rolas mas eu não as vi. Mas, segundo os arvoredos serem mui muitos e grandes de infindas espécies, não duvido que por esse sertão haja muitas aves.

- Perto de terminar, Caminha faz uma conclusão bem otimista.

Nela, até agora, não podemos saber que haja ouro, nem prata, nem nenhuma coisa de metal, nem ferro lho vimos. Mas, a terra em si, é de muitos bons ares, frios e temperados como os de Entre-Doiro e Minho, porque neste tempo de agora, assim os achávamos, como os de lá. Águas são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.

Mas, o melhor fruto que nela se pode fazer, me parece, que será salvar esta gente, e esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar.


- Aproveita para pedir um favorzinho.

E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta vossa terra vi e, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe. Cá o desejo que tinha de tudo vos dizer mo fez assim pôr, pelo medo. E pois que, Senhor, é certo que assim neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida.

A Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da Ilha de S. Tomé, Jorge de Osório, meu genro, o que d'Ela receberei em muita mercê.

Beijo as mãos de Vossa Alteza.

Deste porto seguro da vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.

Pero Vaz de Caminha.