quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Perto do Coração Selvagem (fragmento)

No momento em que a tia foi pagar a compra, Joana tirou o livro e meteu cuidadosamente entre os outros, embaixo do braço. A tia empalideceu. Na rua a mulher buscou as palavras com cuidado: — Joana... Joana, eu vi...

Joana lançou-lhe um olhar rápido. Continuou silenciosa: — Mas você não diz nada? — não se conteve a tia, a voz chorosa.— Meu Deus, mas o que vai ser de você? — Não sé assuste, tia.

— Mas uma menina ainda... Você sabe o que fez ? — Sei...

— Sabe... sabe a palavra...?

— Eu roubei o livro, não é isso?

— Mas, Deus me valha! Eu já nem sei o que faço, pois ela ainda confessa!

— A senhora me obrigou a confessar.

— Você acha que se pode... que se pode roubar? — Bem... talvez não.

— Por que então...? — Eu posso.

— Você?! — gritou a tia.

— Sim, roubei porque. quis. Só roubarei quando quiser. Não faz mal nenhum.

— Deus me ajude quando faz mal Joana?

— Quando a gente rouba e tem medo. Eu não estou contente nem triste.

Clarice Lispector