Uma das constantes do telejornalismo é transformar as notícias em pequenos capítulos de um melodrama interminável. O que vale é o sentimentalismo: é preciso comover a platéia pois, como se sabe, público emocionado é público cativo. Por isso, na TV, emoção é mais importante que informação.
Mas poucas vezes essa receita lacrimosa foi tão escancarada como numa reportagem que foi ao ar no Fantástico de 8 de junho — tão escancarada que merece comentário. Nela, uma vítima da Guerra do Vietnã, Kim Phuc, faz as pazes com o seu agressor, o capitão John Plummer. Kim talvez seja a face mais famosa da guerra. Em junho de 1972, aos 9 anos, ela apareceu numa foto histórica: corre nua por uma estrada, chorando, fugindo do bombardeio que se vê ao fundo. Agora, passados 25 anos, ela vai encontrar os personagens da sua tragédia de infância:o fotógrafo, a médica, o capitão que ordenou o bombardeio. Quem apresenta é Cid Moreira: “O Fantástico acompanhou essa viagem marcada por risos, emoção, lágrimas e pelo sentimento do perdão”.
Kim revê a todos e, no fim, abraçada ao capitão que despejou as bombas incendiárias sobre ela, diz que o perdoou. Ao contrário dos outros, o capitão não chora no vídeo, mas Kim cuida de avisar ao público que, longe das câmaras, os dois choraram juntos. Como numa novela mexicana: os personagens choram sem parar e, no fim, perdoam-se. Tudo fica bem.
Na tela, imagens do passado (Kim desesperada sob as bombas napalm) se fundem com o presente (Kim aconchegada nos braços do capitão) para produzir um final feliz, tipicamente melodramático. A história real vira um videoclipe compungido e, no fim das contas, o vencedor, antes truculento, readquire sua humanidade. Até chora!
Por que é que a televisão não promove o mesmo espetáculo com um sobrevivente dos campos de concentração de Hitler reconciliando-se com seu ex-carcereiro? Porque, no melodrama do telejornalismo que hoje vigora, os nazistas são vilões — a imoralidade do gesto ficaria evidente. E por que uma vítima do Vietnã pode aninhar-se no ombro de quem quase a matou com napalm? Porque, segundo o mesmo melodrama, os americanos são os mocinhos. Por isso, o perdão de Kim não é o perdão que liberta o ofendido, mas aquele que se destina a redimir o ofensor. O capitão, pobrezinho, não fez por mal. Obedecia a ordens. Ninguém teve culpa.
O jornalismo lida com fatos, mas, nesse tipo de show, as “boas” intenções ficam acima dos acontecimentos. Dizem que hoje o público sofre um bombardeio de informação, mas é mentira. O público sofre um bombardeio de lágrimas. De crocodilo.
Mas poucas vezes essa receita lacrimosa foi tão escancarada como numa reportagem que foi ao ar no Fantástico de 8 de junho — tão escancarada que merece comentário. Nela, uma vítima da Guerra do Vietnã, Kim Phuc, faz as pazes com o seu agressor, o capitão John Plummer. Kim talvez seja a face mais famosa da guerra. Em junho de 1972, aos 9 anos, ela apareceu numa foto histórica: corre nua por uma estrada, chorando, fugindo do bombardeio que se vê ao fundo. Agora, passados 25 anos, ela vai encontrar os personagens da sua tragédia de infância:o fotógrafo, a médica, o capitão que ordenou o bombardeio. Quem apresenta é Cid Moreira: “O Fantástico acompanhou essa viagem marcada por risos, emoção, lágrimas e pelo sentimento do perdão”.
Kim revê a todos e, no fim, abraçada ao capitão que despejou as bombas incendiárias sobre ela, diz que o perdoou. Ao contrário dos outros, o capitão não chora no vídeo, mas Kim cuida de avisar ao público que, longe das câmaras, os dois choraram juntos. Como numa novela mexicana: os personagens choram sem parar e, no fim, perdoam-se. Tudo fica bem.
Na tela, imagens do passado (Kim desesperada sob as bombas napalm) se fundem com o presente (Kim aconchegada nos braços do capitão) para produzir um final feliz, tipicamente melodramático. A história real vira um videoclipe compungido e, no fim das contas, o vencedor, antes truculento, readquire sua humanidade. Até chora!
Por que é que a televisão não promove o mesmo espetáculo com um sobrevivente dos campos de concentração de Hitler reconciliando-se com seu ex-carcereiro? Porque, no melodrama do telejornalismo que hoje vigora, os nazistas são vilões — a imoralidade do gesto ficaria evidente. E por que uma vítima do Vietnã pode aninhar-se no ombro de quem quase a matou com napalm? Porque, segundo o mesmo melodrama, os americanos são os mocinhos. Por isso, o perdão de Kim não é o perdão que liberta o ofendido, mas aquele que se destina a redimir o ofensor. O capitão, pobrezinho, não fez por mal. Obedecia a ordens. Ninguém teve culpa.
O jornalismo lida com fatos, mas, nesse tipo de show, as “boas” intenções ficam acima dos acontecimentos. Dizem que hoje o público sofre um bombardeio de informação, mas é mentira. O público sofre um bombardeio de lágrimas. De crocodilo.
(BUCCI, Eugênio. VEJA, 18/06/97.)
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