quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O DIA DA PROVA

As provas do Enem 2009

3 de outubro, sábado:
Prova I: das 13h às 17h30 - Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e suas Tecnologias

4 de outubro, domingo:
Prova II: das 13h às 18h30 - Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e Redação; e Matemática e suas Tecnologias.

Não se atrase! Os portões de acesso aos locais de prova em todo o Brasil serão abertos ao meio-dia e fechados às 12h55 (horário de Brasília). Depois disso não será permitida a entrada no local.

O que levar:

- Original do documento de identificação que você citou na ficha de inscrição (sem ele você não poderá fazer a prova);
- Cartão de Confirmação de Inscrição;
- Folha de respostas do questionário socioeconômico;
- Caneta esferográfica de tinta preta;
- Lápis preto nº 2;
- Borracha.


OBS: Se você não tiver recebido o Cartão de Confirmação de Inscrição, pode apresentar o comprovante de inscrição no lugar.

Apostas para o tema da redação

Queridos e queridas, é sempre muito complicado tentar acertar qual será o tema da redação do ENEM 2007, mas vamos brincar um pouco de Mãe Dinah e eleger 10 propostas de redação plausíveis. Optei por campos temáticos. Não há grandes novidades.
Aí vão:
1) Um meta-tema, explico: os próprios 10 anos do ENEM. Ou quem sabe um tema de metalinguagem: a própria escrita ou a dificuldade dos alunos nas redações?
2) Inclusão pelo esporte, ou algum tema relacionado à saúde ou portadores de deficiência. Prevenção contra a AIDS é outra discussão velha conhecida dos exames. Alimentação saudável. Um tema interessante seria a busca pela eterna juventude.
3) O desenvolvimento do Brasil e o nosso futuro, os desafios e o que fazer para chegar lá. Desenvolvimento sustentável é uma expressão da moda.
4) Uma proposta ligada ao meio ambiente. Muita gente aposta no Aquecimento Global como grande assunto do ano. Acho difícil. Muito manjado. No entanto, há outras discussões relacionadas importantes que podem cair, como os combustíveis renováveis e energias alternativas. Créditos de carbono. Escassez de água. Essas coisas...
5) A fome e sua erradicação ou outro grave problema social, como a distribuição de renda e a geração de emprego. Se focar no jovem, pode ser futuro profissional.
6) Desafios para a integração da América do Sul.
7) Inclusão digital ou influências da tecnologia, seu papel na educação ou na conexão entre pessoas.
8) A importância da democratização do ensino superior de qualidade ou outro tema de educação, como erradicação do analfabetismo.
9) Violência tem sido um dos assuntos prediletos. Maioridade penal seria polêmico demais para o ENEM, mas nuca se sabe...
10) Tropicália... a antropofagia como traço fundante da cultura nacional. Em cultura o que mais poderia ser? Talvez influências da cultura estrangeira ou projeção da cultura brasileira no mundo.
Quanto ao caos aéreo, acho um tema muito elitista para o ENEM.
O bom mesmo seria se os examinadores do ENEM fossem bem criativos e nos surpreendessem positivamente.

Aquecimento global - o tema mais comentado em todos os cursos

Para quem quiser ler um pouco de última hora.

http://www.terrazul.m2014.net/spip.php?article231

O Simbolismo

A partir de 1880, na França, verifica-se uma reação contra as concepções cientificistas da classe dominante, representadas na literatura pelo fatalismo naturalista e pelo rigor parnasiano.

O Simbolismo surge como uma recusa a todos os valores ideológicos e existenciais da burguesia.

Em vez da "belle époque" do capitalismo financeiro e industrial, do imperialismo que se adonava de boa parte do mundo, temos:

· o marginalismo de Verlaine,
· o amoralismo de Rimbaud e
· a destruição da linguagem por Mallarmé.

O artista experimenta agora, à maneira dos românticos, um profundo mal-estar na cultura e na realidade. Mergulha então no irracional, fugindo ao mundo proposto pelo racionalismo burguês, e descobrindo neste mergulho um universo estranho de associações de idéias, lembranças sem um significado definido.

Os simbolistas vão mais longe que os românticos, descendo até os limites do subconsciente e mesmo do inconsciente.

Universo etéreo e brumoso, de sensações evanescentes que o poeta deve reproduzir através da palavra escrita, se é que existem palavras para exprimi-las.

“Inimiga do ensinamento, da declamação, da falsa sensibilidade, da descrição objetiva, a poesia simbolista procura vestir a Idéia de uma forma sensível”, diria Jean Moréas.

Diz Mallarmé:

“Os parnasianos tomam os objetos em sua integridade e mostram-nos. Por isso carecem de mistério. Descrever um objeto é suprimir três quartas partes do prazer de um poema, que é feito da felicidade de adivinhar-se pouco a pouco. Sugerir, eis o sonho. E o uso perfeito deste mistério é o que constitui o símbolo: evocar o objeto para expressar um estado de alma através de uma série de decifrações.”

“Eu escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens”, exclamaria Rimbaud.

São criadas novas imagens, novas metáforas e símbolos. Acentua-se o caráter obscuro de certas palavras e o emotivo de outras, tudo como repúdio à linguagem poética usual, carregada de lugares-comuns, clichês e frases-feitas que se repetiam de geração em geração.

Trata-se de reinventar a linguagem, explorar suas possibilidades, recriá-la palavra após palavra, à procura de imagens originais e envolventes.

A verdadeira poesia consiste em não-dizer, não-declarar, não designar as coisas pelos seus nomes triviais. A verdadeira poesia está em insinuar, dizer figuradamente, sugerir.

O Simbolismo define-se assim pelo anti-intelectualismo. Propõe a poesia pura, não racionalizada, que use imagens e não conceitos. É uma poesia difícil, hermética, misteriosa, que destrói a poética tradicional.

Um poema que expressa essas características...

Arte Poética

A Charles Morice

Antes de qualquer coisa, música
e, para isso, prefere o Ímpar
mais vago e mais solúvel no ar,
sem nada que pese ou que pouse.
E preciso também que não vás nunca
escolher tuas palavras em ambiguidade:
nada mais caro que a canção cinzenta
onde o Indeciso se junta ao Preciso.
São belos olhos atrás dos véus,
é o grande dia trêmulo de meio-dia,
é, através do céu morno de outono,
o azul desordenado das claras estrelas!
Porque nós ainda queremos o Matiz,
nada de Cor, nada a não ser o matiz!
Oh! O matiz único que liga
o sonho ao sonho e a flauta à trompa.
Foge para longe da Piada assassina,
do Espírito cruel e do Riso impuro
que fazem chorar os olhos do Azul
e todo esse alho de baixa cozinha!
Toma a eloquência e torce-lhe o pescoço!
Tu farás bem, já que começaste,
em tornar a rima um pouco razoável.
Se não a vigiarmos, até onde ela irá?
Oh! Quem dirá os malefícios da Rima?
Que criança surda ou que negro louco
nos forjou esta joia barata
que soa oca e falsa sob a lima?
Ainda e sempre, música!
Que teu verso seja um bom acontecimento
esparso no vento crispado da manhã
que vai florindo a hortelã e o timo...
E tudo o mais é só literatura.

(Paul Verlaine)

Música e poesia

Na tentativa de sugerir infinitas sensações aos leitores, os simbolistas aproximam a poesia da música, através do manejo especial de ritmos da linguagem, esquisitas combinações de rimas, repetição intencional de certos fonemas, o sentido se submete à sonoridade.

Simbolismo no Brasil

O Simbolismo no Brasil é um movimento que ocorre à margem do sistema cultural dominante.

Seu próprio desdobramento aponta para províncias de escassa ressonância: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Os adeptos da nova estética tornam-se alvo de zombarias, quando não de desprezo. A maioria dos críticos não os compreende e o público leitor mostra-se indiferente ou hostil frente aquela poética aristocrática, complicada, pretensiosa. Somente depois do triunfo modernista, alguns desses poetas seriam revalorizados.

As primeiras experiências de acordo com os novos preceitos são realizadas por Medeiros e Albuquerque, a partir de 1890. Porém, os textos que verdadeiramente inauguram o Simbolismo pertencem a Cruz e Souza que, em 1893, lança duas obras renovadoras: Broquéis e Missal. A primeira compõe-se de poemas em versos e a segunda de poemas em prosa.

Cruz e Sousa (1861-1898)

Sobre ele:

A obra de Cruz e Sousa é a mais brasileira de um movimento que foi, entre nós, essencialmente europeu. Nela opera-se uma tentativa de síntese entre formas de expressão prestigiadas na Europa e o drama espiritual de um homem atormentado social e filosoficamente. O resultado passa, às vezes, por poemas obscuros e verborrágicos mas, na maioria dos casos, a densidade lírica e dramática do "Cisne Negro" atinge um nível só comparável ao dos grandes simbolistas franceses. O primeiro aspecto que percebemos em sua poética é a linguagem renovadora.

A linguagem metafórica e musical

Ainda que sua formação tenha sido dentro do Parnasianismo - e desta escola ele guarde o cultivo da perfeição e o gosto pela métrica e pelo soneto - Cruz e Sousa foge da objetividade lingüística e dos lugares-comuns verbais de seus antecessores. No seus poemas, abundam substantivos comuns com iniciais maiúsculas e palavras raras. A linguagem denotativa quase desaparece na quantidade de símbolos, aliterações*, sinestesias*, esquisitas harmonias sonoras.

*Sinestesias: correspondência entre as diversas sensações, sons, olhares e cheiros.
*Aliterações: repetição de fonemas no início, meio ou fim das palavras.

Ao contrário do texto parnasiano, o simbolista exige do leitor um esforço de decifração, de "tradução" da realidade sugerida para a realidade concreta. A todo momento o poeta apela para a linguagem metafórica.

Da mesma forma, quando necessitado de novas palavras com sonoridade originais, ele não tinha vergonha de inventá-las: "purpurejamento - suinice - tentaculizar - maternizado etc.

A rigor, os seus assuntos são limitados:
  • A obsessão pela cor branca
  • O erotismo e sua sublimação
  • O sofrimento da condição negra
  • A espiritualização

Manuel Bandeira sintetizou bem a poderosa poética de Cruz e Sousa:

“Dos sofrimentos físicos e morais de sua vida, do seu penoso esforço de ascensão na escala social, do seu sonho místico de uma arte que seria uma 'eucarística espiritualização', do fundo indômito de seu ser de 'emparedado' dentro da raça desprezada, ele tirou os acentos patéticos que lhe garantem a perpetuidade de sua obra na literatura brasileira. Não há gritos mais dilacerantes, suspiros mais profundos do que os seus.”

Antífona

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras

Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas...

Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...

Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...

Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.

Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.

Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...

Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...

Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...

Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...

Cruz e Souza

Alphonsus de Guimaraens (1870-1921)

Mineiro, passado quase toda a sua vida nas cidades barrocas e decadentes da região aurífera, sua poesia gira em torno de pouco assuntos:
  • a morte da amada
  • a religiosidade litúrgica

No Rio Grande do Sul, o principal simbolista foi Eduardo Guimarães (A divina quimera, 1916). No Paraná, destacou-se Emiliano Perneta (Ilusão,1911). Na Bahia, surgiu a poética estranha de Pedro Kilkerry. Verdade que estes escritores ficam em segundo plano, diante da figura esplêndida de Cruz e Sousa, mas contribuem para a expansão de uma onda simbolista. Uma onda quase invisível, dado o domínio parnasiano e a posterior vitória modernista, e que só seria percebida nos livros iniciais de Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles e Mário Quintana, todos com maior ou menor influência do Simbolismo.

Pré-modernismo

As duas primeiras décadas do século XX não registram, no Brasil, convulsões semelhantes às ocorridas na Europa. A abolição da escravatura e o golpe republicano pouco haviam alterado as estruturas básicas do país. A economia - ainda voltada para as necessidades dos países europeus - assentava-se na dependência externa e no domínio interno dos cafeicultores.

Porém, algumas mudanças iam se desenhando. A urbanização, o crescimento industrial e a imigração modificam a fisionomia da sociedade brasileira. Nas cidades, começa a se formar uma classe média reformista. Simultaneamente, emerge uma massa popular insatisfeita e propensa a revoltas irracionais como, por exemplo, a rebelião contra a vacina obrigatória.

Na zona rural, produzem-se confrontos de maior ou menor intensidade dentro das classes dominantes, das violentas mas restritas lutas entre coronéis em determinadas regiões até a verdadeira guerra civil - que se trava no Rio Grande do Sul - entre republicanos e maragatos. Não esqueçamos também que, nesse período, irrompem as revoluções camponesas de Canudos (1896-1897) e do Contestado (1912).

Os primeiros vinte anos do século são marcados tanto pela presença de resíduos culturais do século XIX como pela busca de novas formas de expressão. E, acima de tudo, por um desejo individual - e nem sempre explícito - de redescoberta crítica do Brasil. De um Brasil esquecido, ignorado e, por vezes, doente, mas que precisa ser mostrado, discutido, interpretado.

Euclides da Cunha e Graça Aranha. Valem-se da literatura - o primeiro da linguagem, o segundo da estrutura do romance - para questionar a realidade brasileira e debater o seu futuro. Estão muito próximos do ensaio e o livro “Os sertões” se tornará o maior divisor de águas em nossa cultura, durante todo o século XX.

Autores considerados pré-modernistas

» Euclides da Cunha
» Graça Aranha
» Lima Barreto
» Monteiro Lobato
» Simões Lopes Neto
» Augusto dos Anjos

Modernismo - referências históricas

- Início do século XX: apogeu da Belle Époque.
- Capitalismo monetário. Industrialização e Neocolonialismo.
- Reivindicações de massa. Greves e turbulências sociais. Socialismo ameaça.
- Progresso científico: eletricidade. Motor a combustão: automóvel e avião.
- Concreto armado: “arranha-céu”. Telefone, telégrafo. Mundo da máquina, da informação, da velocidade.
- Primeira Guerra Mundial e Revolução Russa.
- Abolir todas as regras. Eliminar o passado.
- Arte Moderna. Inquietação. Nada de modelos a seguir. Recomeçar. Rever. Reeducar. Chocar.
- Buscar o novo: multiplicidade e velocidade, originalidade e incompreensão, autenticidade e novidade.
- Vanguarda - estar à frente, repudiar o passado e sua arte. Abaixo o padrão cultural vigente.

Em 1912, Marinetti lança o Manifesto técnico da literatura futurista:

É preciso destruir a sintaxe, dispondo os substantivos ao acaso, como nascem. Deve-se usar o verbo no infinito (...) Deve-se abolir o adjetivo para que o substantivo desnudo conserve a sua cor essencial. O adjetivo é incompatível com nossa visão dinâmica uma vez que supõe uma parada, uma meditação. Deve-se abolir o advérbio (...) Cada substantivo deve ter o seu duplo. Exemplo: homem-torpedeiro, mulher-golfo, multidão-ressaca, praça-funil. Abolir também a pontuação (...) A poesia deve ser uma seqüência ininterrupta de imagens novas (...) Destruir na literatura o "eu". Façamos corajosamente o "feio" em literatura e matemos de qualquer maneira a solenidade.

Princípios do modernismo no Brasil

Homem Amarelo de Anita Malfatti

Essa arte nova aparece inicialmente através da atividade crítica e literária de Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e alguns outros artistas que vão se conscientizando do tempo em que vivem. Oswald de Andrade, já em 1912, começa a falar do Manifesto Futurista, de Marinetti, que propõe “o compromisso da literatura com a nova civilização técnica”.


Exposições deflagradoras

Antes dos anos 20, são feitas em São Paulo duas exposições de pintura que colocam a arte moderna de um modo concreto para os brasileiros: a de Lasar Segall, em 1913, e a de Anita Malfatti, em 1917.
A exposição de Anita Malfatti provocou uma grande polêmica com os adeptos da arte acadêmica.

Dessa polêmica, o artigo de Monteiro Lobato para o jornal O Estado de S. Paulo, intitulado: “A propósito da Exposição Malfatti”, publicado na seção “Artes e Artistas” da edição de 20 de dezembro de 1917, foi a reação mais contundente dos espíritos conservadores.

No artigo publicado nesse jornal, Monteiro Lobato, preso a princípios estéticos conservadores, afirma que

“todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não dependem do tempo nem da latitude”.

Mas Monteiro Lobato vai mais longe ao criticar os novos movimentos artísticos. Assim, escreve que

“quando as sensações do mundo externo transformaram-se em impressões cerebrais, nós ‘sentimos’; para que sintamos de maneira diversa, cúbica ou futurista, é forçoso ou que a harmonia do universo sofra completa alteração, ou que o nosso cérebro esteja em ‘pane’ por virtude de alguma grave lesão. Enquanto a percepção sensorial se fizer normalmente no homem, através da porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não poderá ‘sentir’ senão um gato, e é falsa a ‘interpretação que do bichano fizer um totó, um escaravelho ou um amontoado de cubos transparentes”.

Em posição totalmente contrária à de Monteiro Lobato estaria, anos mais tarde, Mário de Andrade. Suas idéias estéticas estão expostas basicamente no “Prefácio Interessantíssimo” de sua obra Paulicéia Desvairada, publicada em 1922. Aí, Mário de Andrade afirma que:

“Belo da arte: arbitrário convencional, transitório - questão de moda. Belo da natureza: imutável, objetivo, natural - tem a eternidade que a natureza tiver. Arte não consegue reproduzir natureza, nem este é seu fim. Todos os grandes artistas, ora conscientes (Rafael das Madonas, Rodin de Balzac. Beethoven da Pastoral, Machado de Assis do Braz Cubas) ora inconscientes (a grande maioria) foram deformadores da natureza. Donde infiro que o belo artístico será tanto mais artístico, tanto mais subjetivo quanto mais se afastar do belo natural. Outros infiram o que quiserem. Pouco me importa”.

(Mário de Andrade, Poesias Completas)

Paulicéia Desvairada

O livro Paulicéia Desvairada foi publicado em 1922, mesmo ano da Semana de Arte Moderna. Trata-se do primeiro livro de poemas modernista, cuja "confecção tumultuária" Mário de Andrade descreveria muitos anos depois na famosa conferência de 1942 sobre o movimento que transformaria o panorama das artes no Brasil.

Como o autor descreve, havia muito tempo que ele intentava compor um livro à maneira do Les villes tentaculaires (As cidades tentaculares), do poeta belga Émile Verhaeren (1855-1916). Mas suas tentativas, no entanto, se frustravam.

O desejo por fim se realizou quando, num dia em que adquirira a famosa escultura Cabeça de Cristo, de Victor Brecheret, o poeta teve de enfrentar a injúria e a incompreensão da família, solidamente católica, diante de uma obra que ousava representar Jesus com tranças na cabeça. Enfurecido, subiu até seu quarto, onde, pela janela, podia avistar o movimento já frenético dos carros e dos bondes.

O cortejo

Monotonias das minhas retinas...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Todos os sempres das minhas visões! "Bom giorno, caro."

Horríveis as cidades!
Vaidades e mais vaidades...
Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh! Os tumultuários das ausências!
Paulicéia - a grande boca de mil dentes;
e os jorros dentre a língua trissulca
de pus e de mais pus de distinção...
Giram homens fracos, baixos, magros...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...

Estes homens de São Paulo,
Todos iguais e desiguais,
Quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
Parecem-me uns macacos, uns macacos.

Mário de Andrade

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

A Semana de 22

Um dos principais eventos da história da arte no Brasil, a Semana de 22 foi o ponto alto da insatisfação com a cultura vigente, submetida a modelos importados, e a reafirmação de busca de uma arte verdadeiramente brasileira, marcando a emergência do Modernismo Brasileiro.

Essa divisão entre os defensores de uma estética conservadora e os de uma renovadora, prevaleceu por muito tempo e atingiu seu clímax na Semana de Arte Moderna realizada nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo.

No interior do teatro, foram apresentados concertos e conferências, enquanto no saguão foram montadas exposições de artistas plásticos, como os arquitetos Antonio Moya e George Prsyrembel, os escultores Vítor Brecheret e W. Haerberg e os desenhistas e pintores Anita Malfatti, John Graz, Martins Ribeiro, Zina Aita, João Fernando de Almeida Prado, Ignácio da Costa Ferreira, Vicente do Rego Monteiro e Di Cavalcanti (o idealizador da Semana e autor do desenho que ilustra a capa do catálogo, na imagem acima).

Modernismo e Nacionalismo

Ao longo do Modernismo, a postura nacionalista apresenta-se em duas vertentes:

- nacionalismo crítico, consciente, de denúncia da realidade, identificado politicamente com as esquerdas.
- nacionalismo ufanista, utópico, exagerado, identificado com as correntes de extrema direita.

Características da Literatura Modernista

- Liberdade de expressão

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Manuel Bandeira


- Incorporação do cotidiano

A aventura do cotidiano leva o artista a romper com os esquemas de vida burguesa. Ele descobre o folclórico e o popular, elementos dos quais se apropriará, muitas vezes indevidamente. Acima de tudo, o artista está consciente de que todos os objetos podem se tornar literários.

Poema Tirado de uma Notícia de Jornal

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Manuel Bandeira


- Linguagem coloquial

Oswald de Andrade preconiza no Manifesto da Poesia Pau Brasil, de 1824:

A língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros.

Ele próprio ironiza esta questão em Vício na fala:

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.


Também Manuel Bandeira admite a contribuição da linguagem popular:

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil (...)


Todas as palavras são permitidas. Vinicius de Moraes, em dado poema, chama a mulher amada de "grandessíssima filha de uma vaca". Do mesmo Vinícius, quem não lembra Poema enjoadinho:

Filhos...Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não temos
Como sabê-lo
Se não os temos
Que de consulta
Quando silêncio
Como os queremos! (...)
E então começa
a aporrinhação
cocô está branco
cocô está preto
Bebeu amoníaco
Comeu botão
Filhos? Filhos
melhor não tê-los (...)
Filhos são o demo
Melhor não tê-los
Mas se não os temos
Como sabê-lo? (...)



INOVAÇÕES TÉCNICAS

O rompimento com os padrões culturais do século XIX implicaria no aparecimento de novas técnicas, tanto no domínio da poesia, quanto no da ficção. As principais conquistas foram:

- Verso livre
- Destruição dos nexos
- Paronomásia (consiste na junção de palavras de sonoridade muito parecida, mas de significado diferente)


Carlos Drummond é um especialista em paronomásias:

"Melancolias, mercadorias espreitam-me."

- Enumeração caótica
- Fluxo da consciência (monólogo interior levado para o texto de ficção sem qualquer obediência à normalidade gramatical, à lógica ou mesmo à coerência).
- Colagem e montagem cinematográfica
- Ampliação das vozes narrativas
- Liberdade no uso dos sinais de pontuação

Modernismo - Manifestos e Revistas


Revista Klaxon — Mensário de Arte Moderna (1922-1923)

Recebe este nome, pois klaxon era o termo usado para designar a buzina externa dos automóveis. Primeiro periódico modernista, é conseqüência das agitações em torno da SAM. Inovadora em todos os sentidos: gráfico, existência de publicidade, oposição entre o velho e o novo.

“— Klaxon sabe que o progresso existe. Por isso, sem renegar o passado, caminha para diante, sempre, sempre.”

Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924-1925)


Escrito por Oswald e publicado inicialmente no Correio da Manhã. Em 1925, é publicado como abertura do livro de poesias Pau-Brasil de Oswald. Apresenta uma proposta de literatura vinculada à realidade brasileira, a partir de uma redescoberta do Brasil.

“— A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela sob o azul cabralino, são fatos estéticos.”

“— A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.”

Verde-Amarelismo (1926-1929)

É uma resposta ao nacionalismo do Pau-Brasil. Grupo formado por Plínio Salgado, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida e Cassiano Ricardo. Criticavam o “nacionalismo afrancesado” de Oswald. Sua proposta era de um nacionalismo primitivista, ufanista, identificado com o fascismo, evoluindo para o Integralismo de Plínio Salgado (década de 30). Idolatria do tupi e a anta é eleita símbolo nacional. Em maio de 1929, o grupo verde-amarelista publica o manifesto “Nhengaçu Verde-Amarelo — Manifesto do Verde-Amarelismo ou da Escola da Anta”.

Manifesto Regionalista de 1926

1925 e 1930 é um período marcado pela difusão do Modernismo pelos estados brasileiros. Nesse sentido, o Centro Regionalista do Nordeste (Recife) busca desenvolver o sentimento de unidade do Nordeste nos novos moldes modernistas. Propõem trabalhar em favor dos interesses da região, além de promover conferências, exposições de arte, congressos etc. Para tanto, editaram uma revista. Vale ressaltar que o regionalismo nordestino conta com Graciliano Ramos, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, Jorge Amado e João Cabral - na 2ª fase modernista.

Revista Antropofagia (1928-1929)

Contou com duas fases (dentições): a primeira com 10 números (1928 e 1929) direção Antônio Alcântara Machado e gerência de Raul Bopp; a segunda foi publicada semanalmente em 16 números no jornal Diário de São Paulo (1929) e seu “açougueiro” (secretário) era Geraldo Ferraz. É uma nova etapa do nacionalismo Pau-Brasil e resposta ao grupo Verde-amarelismo. A origem do nome movimento esta na tela “Abaporu”(O que come) de Tarsila do Amaral.

1ª fase - inicia-se com o polêmico manifesto de Oswald e conta com Alcântara Machado, Mário de Andrade (2º número publicou um capítulo de Macunaíma), Carlos Drummond (3º número publicou a poesia “No meio do caminho”); além de desenhos de Tarsila, artigos em favor da língua tupi de Plínio Salgado e poesias de Guilherme de Almeida.

2ª fase - mais definida ideologicamente, com ruptura de Oswald e Mário de Andrade. Estão nessa segunda fase Oswald, Bopp, Geraldo Ferraz, Oswaldo Costa, Tarsila, Patrícia Galvão (Pagu). Os alvos das críticas (mordidas) são Mário de Andrade, Alcântara Machado, Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia e Plínio Salgado.

“A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI: — Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.” (Revista de Antropofagia, nº 1)

Manifesto Antropofágico

“SÓ A ANTROPOFAGIA nos une, Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. / Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. / De todos os tratados de paz. / Tupi or not tupi, that is the question.” (Manifesto Antropófago)

Publicado na Revista Antropofagia (1928), propunha basicamente a devoração da cultura e das técnicas importadas e sua reelaboração com autonomia, transformando o produto importado em exportável. O nome do manifesto recuperava a crença indígena: os índios antropófagos comiam o inimigo, supondo que assim estavam assimilando suas qualidades.

O Abaporu

A idéia do manifesto surgiu quando Tarsila do Amaral, para presentear o então marido Oswald de Andrade, deu-lhe como presente de aniversário a tela Abaporu (aba = homem; poru = que come).

Primeira Geração Modernista (1922-1930)

Características

- Busca do moderno, original e polêmico.
- Nacionalismo em suas múltiplas facetas.
- Volta às origens e valorização do índio verdadeiramente brasileiro.
- “Língua brasileira” - falada pelo povo nas ruas.
- Paródias - tentativa de repensar a história e a literatura brasileiras.

Autores

· Antônio de Alcântara Machado (1901-1935)
· Cassiano Ricardo (1895-1974)
· Guilherme de Almeida (1890-1969)
· Manuel Bandeira (1886-1968)
· Mário de Andrade (1893-1945)
· Menotti del Picchia (1892-1988)
· Oswald de Andrade (1890-1953)
· Plínio Salgado (1895-1975)
· Raul Bopp (1898-1984) Ronald de Carvalho (1893-1935)

Segunda Geração Modernista (1930-1945)

A literatura quase sempre privilegia o romance quando quer retratar a realidade, analisando ou denunciando-a.

O Brasil e o mundo viveram profundas crises nas décadas de 1930 e 40, nesse momento o romance brasileiro se destaca, pois se coloca a serviço da análise crítica da realidade.

O quadro social, econômico e político que se verificava no Brasil e no mundo no início da década de 1930 – a bomba atômica sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, o nazifascismo, a crise da Bolsa de Nova Iorque, a crise cafeeira, o combate ao socialismo – exigia dos artistas uma nova postura diante da realidade, nova posição ideológica.

Características

- Repensar a historia nacional com humor e ironia - " Em outubro de 1930 / Nós fizemos — que animação! — / Um pic-nic com carabinas." (Festa Familiar - Murilo Mendes)
- Verso livre e poesia sintética - " Stop. / A vida parou / ou foi o automóvel?" (Cota Zero, Carlos Drummond de Andrade)
- Nova postura temática - questionar mais a realidade e a si mesmo enquanto indivíduo
- Tentativa de interpretar o estar-no-mundo e seu papel de poeta
- Literatura mais construtiva e mais politizada.
- Surge uma corrente mais voltada para o espiritualismo e o intimismo (Cecília, Murilo Mendes, Jorge de Lima e Vinícius)
- Aprofundamento das relações do eu com o mundo
- Consciência da fragilidade do eu - "Tenho apenas duas mãos / e o sentimento do mundo" (Carlos Drummond de Andrade - Sentimento do Mundo)
- Perspectiva única para enfrentar os tempos difíceis é a união, as soluções coletivas - "O presente é tão grande, ano nos afastemos, / Ano nos afastemos muito, vamos de mãos dadas." (Carlos Drummond de Andrade - Mãos dadas)

Autores

Legenda: x = poesia xx = prosa

· x Augusto Frederico Schmidt (1906-1965)
· x Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
· x Cassiano Ricardo (1895-1974)
· x Cecília Meireles (1901-1964)
· x Cornélio Pena (1896-1958)
· xx Érico Veríssimo (1905-1975)
· xx Graciliano Ramos (1892-1953)
· xx Jorge Amado (1912-2001)
· x Jorge de Lima (1893-1953)
· xx José Lins do Rego (1901-1957)
· x Lúcio Cardoso (1913-1968)
· x Murilo Mendes (1901-1975)
· xx Rachel de Queiroz (1910-2003)
· x Vinícius de Moraes (1913-1980)

1945 - fim da 2ª Guerra Mundial, início da Era Atômica (Hiroshima e Nagasaki), ONU, Declaração dos Direitos do Homem, Guerra Fria. No Brasil, fim da ditadura Vargas, redemocratização brasileira, retomada de perseguições políticas, ilegalidades e exílios.

Terceira Geração Modernista (1945-1960 + ou -)

Ou talvez já possamos falar em uma geração que veio depois do Modernismo...
A literatura brasileira, assim como o cenário sócio-político, passa por transformações.

A prosa tanto no romance quanto nos contos busca uma literatura intimista, de sondagem psicológica, introspectiva, com destaque para Clarice Lispector. Ao mesmo tempo, o regionalismo adquire uma nova dimensão com Guimarães Rosa e sua recriação dos costumes e da fala sertaneja, penetrando fundo na psicologia do jagunço do Brasil central. Um traço característico comum a Clarice e Guimarães Rosa é a pesquisa da linguagem, por isso são chamados instrumentalistas. Enquanto Guimarães Rosa preocupa-se com a manutenção do enredo com o suspense, Clarice abandona quase que completamente a noção de trama e detém-se no registro de incidentes do cotidiano ou no mergulho para dentro dos personagens.

Na poesia, surge uma geração de poetas que se opõem às conquistas e inovações dos modernistas de 22. A nova proposta foi defendida, inicialmente, pela revista Orfeu (1947). Assim, negando a liberdade formal, as ironias, as sátiras e outras “brincadeiras” modernistas, os poetas de 45 buscam uma poesia mais “equilibrada e séria”. Os modelos voltam a ser os Parnasianos e Simbolistas. Principais autores (Ledo Ivo, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Geir de Campos e Darcy Damasceno). No fim dos anos 40, surge um poeta singular, pois não está filiado esteticamente a nenhuma tendência: João Cabral de Melo Neto.

Autores

· Clarice Lispector (1920-1977)
· Ferreira Gullar (1930- )
· João Cabral de Melo Neto (1920-1999)
· João Guimarães Rosa (1908-1967)
· Ledo Ivo (1924- )

Perto do Coração Selvagem (fragmento)

No momento em que a tia foi pagar a compra, Joana tirou o livro e meteu cuidadosamente entre os outros, embaixo do braço. A tia empalideceu. Na rua a mulher buscou as palavras com cuidado: — Joana... Joana, eu vi...

Joana lançou-lhe um olhar rápido. Continuou silenciosa: — Mas você não diz nada? — não se conteve a tia, a voz chorosa.— Meu Deus, mas o que vai ser de você? — Não sé assuste, tia.

— Mas uma menina ainda... Você sabe o que fez ? — Sei...

— Sabe... sabe a palavra...?

— Eu roubei o livro, não é isso?

— Mas, Deus me valha! Eu já nem sei o que faço, pois ela ainda confessa!

— A senhora me obrigou a confessar.

— Você acha que se pode... que se pode roubar? — Bem... talvez não.

— Por que então...? — Eu posso.

— Você?! — gritou a tia.

— Sim, roubei porque. quis. Só roubarei quando quiser. Não faz mal nenhum.

— Deus me ajude quando faz mal Joana?

— Quando a gente rouba e tem medo. Eu não estou contente nem triste.

Clarice Lispector

Famigerado (fragmento)

— "Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado... faz-megerado... falmisgeraldo... familhas-gerado...?

Disse, de golpe, trazia entre dentes aquela frase. Soara com riso seco. Mas, o gesto, que se seguiu, imperava-se de toda a rudez primitiva, de sua presença dilatada. Detinha minha resposta, não queria que eu a desse de imediato. E já aí outro susto vertiginoso suspendia-me: alguém podia ter feito intriga, invencionice de atribuir-me a palavra de ofensa àquele homem; que muito, pois, que aqui ele se famanasse, vindo para exigir-me, rosto a rosto, o fatal, a vexatória satisfação?

— "Saiba vosmecê que saí ind'hoje da Serra, que vim, sem parar, essas seis léguas, expresso direto pra mor de lhe preguntar a pregunta, pelo claro..."

Se sério, se era. Transiu-se-me.

— "Lá, e por estes meios de caminho, tem nenhum ninguém ciente, nem têm o legítimo — o livro que aprende as palavras... É gente pra informação torta, por se fingirem de menos ignorâncias... Só se o padre, no São Ão, capaz, mas com padres não me dou: eles logo engambelam... A bem. Agora, se me faz mercê, vosmecê me fale, no pau da peroba, no aperfeiçoado: o que é que é, o que já lhe perguntei?"

Se simples. Se digo. Transfoi-se-me. Esses trizes:

— Famigerado?

— "Sim senhor..." — e, alto, repetiu, vezes, o termo, enfim nos vermelhões da raiva, sua voz fora de foco. E já me olhava, interpelador, intimativo — apertava-me. Tinha eu que descobrir a cara. — Famigerado? Habitei preâmbulos. Bem que eu me carecia noutro ínterim, em indúcias. Como por socorro, espiei os três outros, em seus cavalos, intugidos até então, mumumudos. Mas, Damázio:

— "Vosmecê declare. Estes aí são de nada não. São da Serra. Só vieram comigo, pra testemunho..."

Só tinha de desentalar-me. O homem queria estrito o caroço: o verivérbio.

— Famigerado é inóxio, é "célebre", "notório", "notável"...

— "Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não entender. Mais me diga: é desaforado? É caçoável? É de arrenegar? Farsância? Nome de ofensa?"

— Vilta nenhuma, nenhum doesto. São expressões neutras, de outros usos...

— "Pois... e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia-de-semana?"

— Famigerado? Bem. É: "importante", que merece louvor, respeito...

— "Vosmecê agarante, pra a paz das mães, mão na Escritura?"

Se certo! Era para se empenhar a barba. Do que o diabo, então eu sincero disse:

— Olhe: eu, como o sr. me vê, com vantagens, hum, o que eu queria uma hora destas era ser famigerado — bem famigerado, o mais que pudesse!...

— "Ah, bem!..." — soltou, exultante.

Guimarães Rosa

Texto extraído do livro "Primeiras Estórias", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1988

Morte e Vida Severina (fragmento)

O retirante explica ao leitor quem é e a que vai (in Morte e Vida Severina)

— O meu nome é Severino, não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas Maria. fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias.

Mas isso ainda diz pouco: há muìtos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como então dizer quem fala ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba.

Mas ísso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia. Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas, e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida). Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina: a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima, a'de tentar despertar terra sempre mais extinta, a de querer arrancar algum roçado da cinza, Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino que em vossa presença emigra.

João Cabral de Melo Neto

Consulte local da prova

http://sistemasenem.inep.gov.br/localProva/?metodo=visualizarPesquisaAluno

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Erros de português na redação

Não sei se concordo, mas vejam como o ENEM encara os erros de português na redação:

http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL91950-5604-73,00.html

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Romantismo - contexto histórico


Caminhante contemplando o nevoeiro, de Gaspar D. Friederich, sintetiza tanto a solidão cósmica do homem romântico quanto a sua relação intensa com os aspectos mais grandiosos do mundo natural.


A ascensão da burguesia européia é um processo que:

- se inicia com o Mercantilismo, nos séculos XVI e XVII,
- passando pela Revolução Inglesa, de 1688,
- pela Independência Americana, de 1776,
- e atinge seu o momento culminante na Revolução Francesa, de 1789.

Na França sobretudo, a derrocada da aristocracia permite:

- extinção dos privilégios seculares
- fim das barreiras rígidas entre as classes sociais.
- Um novo sentido de vida, baseado na livre iniciativa, exalta a audácia, a competência e os méritos pessoais de cada indivíduo, independentemente de seus títulos e seus antepassados.

A era do Liberalismo está em seu auge e com ela um conjunto notável de mudanças na história do Ocidente.

A liberdade de expressão

O primeiro efeito favorável da vitória burguesa para a literatura reside no artigo onze da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão:

"A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode portanto falar, escrever, imprimir livremente."

Nas últimas décadas do século XVIII, o Romantismo já está mais ou menos anunciado:

- obras do filósofo Rousseau, especialmente por sua teoria do "bom selvagem",
- pelo movimento Sturm und Drang, (Tempestade e Ímpeto),constituído, nos anos de 1770, por jovens alemães, que valorizam o folclórico, o nacional e o popular em oposição ao universalismo clássico.

Goethe


A antecipação mais genial de um novo espírito de época - centrado no exagero da faculdade imaginativa e no transbordamento das paixões - ocorre em 1774, com a publicação, sob forma epistolar (cartas), do romance "Os sofrimentos do jovem Werther".

Seu autor, Goethe, então com apenas vinte e quatro anos, produzirá um dos maiores comoções já ocorridas na história literária.


Romantismo nas outras artes

Importante frisar que o Romantismo não é um movimento exclusivamente literário.

Suas manifestações dão-se também em larga escala na música, através das obras de:

- Beethoven e sua intensa monumentalidade;
- de Tchaikovsky, mestre da melodia e da angústia romântica;
- e de compositores que buscaram as raízes nacionais e populares, como Grieg (Noruega), Dvórak (República Tcheca), Granados (Espanha) etc.
- surgem os concertos para o grande público. A ópera - reunindo música e teatro - populariza-se espetacularmente através de Verdi (Itália) e Wagner (Alemanha).
- também nas artes plásticas, o espírito romântico triunfa. Nas pinturas de Géricault, Delacroix e Turner, dentre outros, enfatiza-se o emocionalismo, os contrastes violentos de luz e sombra, a distribuição intensa das cores.

O Romantismo constitui-se assim como uma poderosa e verdadeira revolução artística que modifica para sempre a cultura ocidental.

Romantismo - contexto histórico no Brasil

Contexto sócio-político da época (início do Romantismo no Brasil):
  • 1808 - chegada ao Brasil de D. João VI e da família Real.
  • 1808/1821 - abertura dos portos às nações amigas; instalações de bibliotecas e escolas de nível superior; início da atividade editorial.
  • 1822 - Proclamação da Independência. Daí nasce o desejo de uma literatura autenticamente brasileira.
  • 1831 - abdicação de D. Pedro I e início do Período de Regência, que vai até 1840 (maioridade de D. Pedro II); fundação da Companhia Dramática Nacional; início da Guerra do Paraguai até 1840).

O Brasil do início do século XIX foi palco de várias transformações que contribuíram de forma decisiva para a formação de uma verdadeira identidade nacional e, conseqüentemente, uma literatura com características mais brasileiras.


A chegada da família real portuguesa em 1808 já era um indício de que aquele seria um século de profundas mudanças na estrutura política, econômica e cultural do país. D. João VI, através de medidas importantes visando ao desenvolvimento nacional, abriu os portos para comércio com o mundo, o que significava a fácil entrada de novas tendências culturais, principalmente européias. Além disso, criou novas escolas, bibliotecas e museus, e deu incentivo à tipografia, que implicou a impressão de livros, até então feitos em Portugal, e a edição de jornais. O eixo político-econômico-cultural do Brasil sai então de Minas Gerais para ganhar as portas da realeza no Rio de Janeiro, onde nasce um público consistente de leitores principalmente formado de mulheres e jovens estudantes, provenientes da classe burguesa em ascensão.

Enquanto isso, o restante da nação, ainda movido pela estrutura agrária e mão-de-obra escrava, assiste à transição do Colonialismo ao Império.

Era a tão sonhada independência política das correntes de Portugal, numa busca pela liberdade e pelo patriotismo, que iria acolher de braços abertos os ideais românticos.

Marco inicial

Considera-se a obra Suspiros poéticos e saudades, de Gonçalves de Magalhães, publicada em Paris em 1836, como o marco inicial do Romantismo brasileiro.

Características do nosso Romantismo

Podem-se apontar, no amplo e diversificado movimento romântico, algumas tendências básicas:
  • a exaltação dos sentimentos pessoais, muitas vezes até autopiedade
  • exaltação de seu “eu” - subjetivismo
  • a expressão dos estados da alma, das paixões e emoções, da fé, dos ideais religiosos
  • apóiam-se em valores nacionais e populares
  • desejo de liberdade, de igualdade e de reformas sociais;
  • e a valorização da Natureza, que é vista como exemplo de manifestação do poder de Deus e como refúgio acolhedor para o homem que foge dos vícios e corrupções da vida em sociedade
  • em alguns casos, fuga da realidade através da arte (direção histórica e nacionalista ou direção idílica e saudosista)

A linguagem sofreu transformações: em lugar da bem cuidada sintaxe clássica e das composições de metro fixo, os românticos preferiram uma linguagem mais coloquial, comunicativa e simples, criando ritmos novos e variando as formas métricas.

Essa liberdade de expressão é uma das características típicas do Romantismo e constitui um aspecto importante para a evolução da literatura ocidental.

O espírito de renovação lingüística é uma contribuição importante do Romantismo e foi retomado, no século XX, pelos modernistas.

No Brasil, o Romantismo desenvolveu-se principalmente nos gêneros romance e poesia.

O romance estava em ascensão na Europa e não tardou a fazer sucesso também por aqui. Inúmeros jornais e folhetins traziam em suas páginas as belas traduções de romances europeus de cavalaria ou de amores impossíveis. Logo, toda uma gama de jovens escritores brasileiros interessaram-se pelo gênero e especializaram-se nesse tipo de literatura.

As três gerações românticas

Na poesia, distinguem-se três fases, as chamadas Gerações Românticas:

(clique para visualizar)

Indianismo - uma das formas mais significativas do nacionalismo romântico. O índio é um ser idealizado (nobre, valoroso, fiel), apesar disso demonstra a valorização das origens da nacionalidade.

Mal do Século - voltando-se inteiramente para dentro de si mesmos, esses poetas expressaram em seus versos pessimistas um profundo desencanto pela vida. Muitos marcados pela tuberculose, mal que deu nome à fase.

Condoreirismo - poesia social e libertária que reflete as lutas internas da Segunda metade do reinado de D. Pedro II.

"Escola de morrer cedo"

Eu estava fazendo uma conferência no Rio de Janeiro sobre Álvares de Azevedo, a minha paixão na escola romântica paulista, e lá estava, assistindo à conferência, Carlos Drummond de Andrade, quando um jovem interferiu: - Dona Lygia, a senhora disse que Castro Alves morreu com 24 anos, Álvares de Azevedo com 21, Fagundes Varela, completamente em convulsões, delirium tremens e tal, com 33 anos, Gonçalves Dias, o indianista extraordinário, esse um pouco mais velho, aos 42 ou 43 anos, num naufrágio; e sem esquecer Casimiro de Abreu: "Ai que saudades que eu tenho da aurora da minha vida..."

Então, o rapaz perguntou: - A senhora não está exagerando? - Eu disse: - Exagerando como, meu jovem? Isso é a própria conferência que eu estou fazendo no Rio de Janeiro. Ele disse: Mas, dona Lygia, todos eles morreram assim mocinhos? A senhora não está dando um pouco de ênfase excessiva? - Dei uma risada e respondi: - Eu lamento, mas morreram todos com essa idade assim, mais ou menos jovensíssimos, e como diria Mário de Andrade em relação ao Azevedo, esse, então, morreu virgem - 21 anos: - Era virgem - dizia Mário de Andrade, e eu acredito.

Carlos Drummond achou muita graça naquela intervenção desse moço e, quando terminou a conferência, ele me disse: - Lygia, eu vou dar um nome para essa escola: "a escola do morrer cedo". Beleza! Não é? Só um poeta poderia dar um nome tão lindo para a escola romântica.

LÍNGUA PORTUGUESA: UMA PAIXÃO - LYGIA FAGUNDES TELLES SEMINÁRIO SOBRE A LÍNGUA PORTUGUESA: DESAFIOS E SOLUÇÕES

Realizado na sede do Centro de Integração Empresa-Escola, São Paulo, SP, em 31 de maio de 1999.

A poesia do período romântico

A poesia brasileira se desenvolveu de uma forma muito criativa e rica em temas e imagens, apesar de muitas vezes não passar de mera influência ou cópia de poetas europeus. Podemos dividir toda essa gama de temas em três importantes fases.

Primeira geração romântica: o índio, verdadeiro ícone da cultura tradicional brasileira, concorre nessa primeira geração de igual para igual com os sentimentos e as emoções dos poetas brasileiros. O nacionalismo exaltado vai também apreciar a beleza e a riqueza de nossas matas.
Destacam-se os poetas Gonçalves de Magalhães e principalmente Gonçalves Dias, o nosso melhor poeta indianista.

Segunda geração romântica: é a poesia do "mal-do-século". Inspirados pelos poetas europeus, principalmente Lord Byron, nossos poetas vão cantar os amores impossíveis, o desejo pela morte, a indecisão entre uma vida de liberdade ou religiosa, e a incompreensão do mundo, aliada ao desejo de evasão.

Destacam-se nessa segunda geração os fervorosos versos do próprio Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu e Junqueira Freire.

Terceira geração romântica: é a geração dos poetas que se cansaram de lamentar as angústias e os amores impossíveis. Era hora de lutar para modificar o mundo que tanto reprimia o ser e o condenava à morte e à constante fuga da realidade.

Os poetas dessa terceira geração sentem que é mais do que necessário deixar o choro e a melancolia de lado e se engajar numa luta social, tendo a poesia como espada afiada, que tocava o povo no íntimo. Essa geração acabou por ser denominada como "geração hugoana" (por ter sido diretamente influenciada pelo poeta francês Victor Hugo), e também "geração condoreira", que tendo como símbolo o condor, sugeria que a poesia voasse alto, falasse alto e causasse grande efeito enquanto a voz que toca a massa. Seu maior representante foi Castro Alves.

Essa terceira geração, na verdade, já era o início da transição do Romantismo para o Realismo, em que a crítica social passa a ser uma das características mais marcantes.

O romance do período romântico

Em termos da temática, o romance brasileiro do Romantismo pode ser dividido em quatro tendências distintas.

O romance urbano, que retrata, muitas vezes de forma crítica, a vida e os costumes da sociedade no Rio de Janeiro. Os enredos, na maioria das vezes, são recheados de amores platônicos e puros, fruto de uma classe social sem problemas financeiros e na maioria dos casos estereotipada.
Destacam-se as obras de Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida e principalmente José de Alencar.

O romance indianista, que focaliza a figura do índio. Enquanto o escritor europeu tinha seus cavaleiros medievais, o brasileiro sentiu a necessidade de resgatar em nosso passado um herói que melhor nos retratasse.
Mesmo sendo algumas vezes retratado como se fosse um cavaleiro europeu da idade média, a figura do índio surge de forma imponente, com seus costumes e sua vida selvagem, mas cheia de virtudes.
Destacam-se aqui as obras de José de Alencar, principalmente os clássicos Iracema e O Guarani.
O romance regionalista, que se concentra em outra figura brasileira: o sertanejo. Na insistência nacionalista de buscar as raízes de nossa cultura, a figura do sertanejo, com suas crenças e tradições, fez-se tão exótica quanto à do índio.
Dentre os regionalistas, destacam-se, além de José de Alencar, Bernardo Guimarães, Visconde de Taunay e Franklin Távora.

O romance histórico, através do qual os romancistas brasileiros buscaram em nossa história temas que alimentassem os anseios românticos, de modo a acentuar ainda mais o nacionalismo exaltado que respirava a pátria desde a independência.
Evidenciam-se Bernardo Guimarães e, mais uma vez, José de Alencar.

Idéias que marcaram o século XIX

Para uma melhor compreensão dos movimentos literários da segunda metade do século XIX, Realismo e Naturalismo, é importante conhecer as idéias e teorias que impactaram de modo fundamental as obras dos escritores da época.

Três autores revolucionaram o modo de pensar: Charles Darwin, Augusto Comte e Carl Marx.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

As idéias de Charles Darwin (1809-1882)


Até o século XVIII, acreditava-se que o homem e todas as espécies existentes haviam sido criados assim como são e que não tinham sofrido nem poderiam podiam sofrer nenhuma transformação.

Contudo, em 1859, o cientista inglês Charles Darwin, filho de um pastor anglicano, após longas viagens, inclusive pela América do Sul, observando e refletindo sobre o universo dos seres vivos deu início a uma profunda revolução na história da ciência ao publicar uma obra fundamental denominada "Sobre a origem das espécies".

As idéias-chave da teoria de Darwin são:

“luta pela sobrevivência” e
“seleção natural”.


Assim, a história dos seres vivos nada mais é do que o resultado de uma guerra entre as várias espécies animais e inclusive entre indivíduos da mesma espécie. Ao final dessa competição, sobrevivem apenas os mais fortes e os mais adaptados ao ambiente, processando-se, portanto, uma seleção natural através da qual os organismos vitoriosos evoluem de estruturas simples a outras de maior complexidade orgânica.

A teoria darwinista escandalizou a Europa porque representou um golpe terrível na concepção religiosa de então, centrada na idéia de que a Bíblia seria um livro rigorosamente histórico e documental.

Naquela época, a grande maioria das pessoas acreditava que a humanidade começara com Adão e Eva, Noé vagara numa arca pela terra inundada, Jonas sobrevivera três dias no ventre de uma grande baleia, e o mundo, desde a criação divina, não alcançara ainda sessenta séculos etc.

As idéias de Darwin abalaram profundamente as concepções religiosas e filosóficas então vigentes.

De repente, o homem já não era mais o centro da criação. Ele descendia de ancestrais primitivos e animalescos, e assim passava a ser visto apenas como uma estrutura orgânica tornada mais apta pelo acaso, pelo ambiente e pela luta da sobrevivência.

As idéias de Augusto Comte (1798-1857)


A evolução natural deveria ter uma correspondência na evolução da sociedade. Vários pensadores rejeitaram a miséria e os horrores das duas revoluções industriais.

A indignação moral os levou à criação de utopias, isto é, de sociedades imaginárias, projetadas no futuro, quando a exploração econômica e as diferenças sociais seriam destruídas ou reduzidas significativamente.

Augusto (ou Auguste) Comte acreditava que a vida social pode ser analisada através de um modelo científico. Ele foi um dos criadores da Sociologia. Sua interpretação da história da humanidade levou-o a considerá-la como um processo permanente de melhoria, passando por estágios inferiores (fase teológica e fase metafísica) até alcançar um patamar superior (fase positiva). Por isto foi denominada Positivismo a doutrina que Comte elaborou entre 1830 a 1854, com ênfase especial no conhecimento propiciado pela observação científica da realidade.

Este conhecimento tornaria possível o estabelecimento de leis universais para o progresso da sociedade e dos indivíduos.

Comte, porém, abominava tanto a revolução quanto a democracia, vendo nelas apenas o caos e a anarquia. Para ele o “a ordem era a base do progresso social”.

Seu modelo positivista de regime é o republicano, mas estruturado sob a forma de uma “ditadura científica”. Homens esclarecidos e da máxima honestidade – verdadeiros sacerdotes do saber (tecnocratas, diríamos hoje) – aconselhariam os ditadores ilustrados e, de certa forma, comandariam as ações do Estado para integrar os mais pobres ao universo social.

Entre os postulados positivistas figuram a separação entre o poder religioso e o poder civil, a universalização do ensino primário e a proteção ao proletariado.

O positivismo no Brasil

Não é a toa que a bandeira nacional estampa o lema de inspiração positivista: "ordem e progresso". As idéias de Comte tiveram enorme repercussão no Brasil. Forneceram aos republicanos sul-rio-grandenses e aos jovens oficiais do Exército uma ideologia de mudança sem o risco da desordem.

De certa maneira, estas idéias sedimentaram uma linha reformista autoritária iniciada no Rio Grande do Sul, com o governo de Júlio de Castilhos (1893-1900), e continuada pelo Estado Novo (1937-1945) e pelo regime militar (1964-1984).

As idéias de Carl Marx (1818-1883)


Carl (ou Karl) Marx, filósofo e economista judeu-alemão, foi um dos maiores pensadores revolucionários do século XIX. Suas idéias, no entanto, só alcançaram grande ressonância no século XX, após a revolução que criou a União Soviética. Para ele, as lutas sociais decorriam da revolução industrial na Europa e do conflito entre o burguês e o proletário.

A história da humanidade sempre fora marcada pela luta de classes cuja intensidade variava com o tempo.

Na Antigüidade clássica, por exemplo, ela se dava pelo permanente confronto entre os senhores e os escravos.

Já na Idade Média, o conflito entre as classes evidenciava-se no esforço dos servos e dos vilãos para se emanciparem do domínio que os senhores feudais exerciam sobre eles.

Marx tinha uma visão otimista do destino da humanidade. Acreditava que a batalha final, travada entre os capitalistas e os operários, seguramente levaria à vitória desses últimos, que representavam a maioria da sociedade.

A partir de então se constituiria um mundo ideal onde todas as diferenças de classe desapareceriam e o império da igualdade entre os homens finalmente triunfaria.

Com essa revolução social, escreveu ele ao encerrar O manifesto comunista, em 1848,

“os proletários nada têm nada a perder a não ser seus grilhões. E têm um mundo a ganhar.”

Como cientista social, a maior contribuição de Carl Marx foi seu estudo sobre o funcionamento da sociedade capitalista, cujo primeiro volume, intitulado O capital, surgiu em 1867, o único publicado em vida.

Iniciando pela análise da produção das mercadorias, Marx realiza uma impressionante descrição do sistema capitalista, sua evolução e suas transformações.

Segundo ele, o capitalismo era um sistema historicamente datado e, portanto, sujeito a desaparecer no tempo.

Sua existência, tal como sucedera com o escravismo e o feudalismo, chegaria ao fim com uma grande crise, uma espécie de catástrofe geral da economia e das instituições.

A previsão de Marx era a de que a falência do capitalismo ocorreria nos países mais industrializados da Europa.

Paradoxalmente, a concepção marxista veio a triunfar na Rússia e na China, países rurais e atrasados.

Contexto histórico no mundo

Uma nova revolução industrial, caracterizada pelo avanço tecnológico e progresso científico, modifica não apenas os processos de produção, mas a própria estrutura econômica.

Os negócios familiares em pequena escala são substituídos por grandes empresas, muitas vezes agrupadas em cartéis, e a população se concentra em vastos aglomerados urbanos, impelida pela industrialização.

As nações tornam-se representantes de seus grupos econômicos privados, ampliam o mercado internacional e terminam por se fazer imperialistas, partindo para a conquista direta ou indireta de considerável número de países africanos e asiáticos.

É o grande momento da Europa: a burguesia urbana, enriquecida pelo espólio colonial, vive o luxo, goza o poder sobre o mundo.

Já não é possível a fantasia, nem o mito da natureza, nem o fechar-se na própria interioridade.

Os acontecimentos exigem a participação do artista. Agora ele é um participante do mundo, ou ao menos, um observador do mundo.

É verdade que o sentimento desagradável da realidade persistirá em sua alma, herança do Romantismo.

Mas em vez de transformar esse sentimento em desabafo ou grito, como o romântico, o artista procurará examiná-lo à luz de teorias sociológicas, psicológicas ou biológicas.

Características do Realismo

1. Objetividade e Impessoalidade

Os realistas fogem às exibições subjetivas dos românticos. O escritor deve manter a neutralidade diante daquilo que está narrando, e, dentro de alguns limites, jamais confunde sua visão particular com a visão e os motivos dos personagens.

Por isso mesmo, há um domínio das narrativas em terceira pessoa ("Raskolnikov puxou o ferrolho, entreabriu a porta...") sobre as narrativas em primeira pessoa ("Eu puxei o ferrolho..."). A terceira pessoa favorece a impressão de que os personagens realizam seus destinos sem a interferência do sujeito que as criou.

Flaubert comparava o escritor a um "deus ex machina", isto é, a um deus fora do mundo que tudo sabe e ninguém vê:

O autor, em sua obra, deve ser como um Deus no universo: onipresente e invisível.

2. Racionalismo

Reflexo do racionalismo ideológico e científico da época, significa a possibilidade de uma investigação objetiva dos indivíduos, como tais, e como agentes de grupos da sociedade.

Os resultados são:

- análise psicológica
- tipificação social

A análise psicológica é o estudo dos caracteres, motivações e tendências da vida psíquica, considerada em suas relações com o momento histórico, o meio ambiente e com os instintos mais subterrâneos dos homens.

O grande analista de almas é aquele que não diz tudo a respeito do personagem, de forma que este tenha sempre um abismo inexplorado que, repentinamente (e com coerência), possa vir à tona. O russo Tolstói é especialista na criação de seres complexos; o príncipe André em Guerra e paz descobre o verdadeiro motivo que o levou ao Exército:

Tenho alguma culpa se desejo isso, se quero a glória, se quero que todos os homens me conheçam, que me estimem, se vivo apenas para isto? Sim, apenas para isso! (...) A morte, os ferimentos, a perda da família, nada me assusta. Por mais caros que me sejam meu pai, minha irmã, minha mulher e todos a quem mais estimo, e por mais terrível e antinatural que isso possa parecer, daria tudo isso por um momento de glória, de triunfo, pela estima dos homens que não conheço, que não conhecerei nunca - pensou André, ouvindo vozes no pátio.

A tipificação social corresponde à destruição da idéia de indivíduo sem vínculos com a realidade concreta. Suas ações, gestos e falas, seus conflitos são as representações particularizadas do grupo ao qual pertence.

Assim, em "O vermelho e o negro" de Stendhal, Julien Sorel é um indivíduo que lamenta a derrocada de Napoleão, mas este lamento é também o de um grupo social, formado por jovens pequeno-burgueses, sem chances de ascensão após a restauração da monarquia.

Ah! - gritou Julien - Napoleão era de fato o enviado de Deus para os jovens franceses! Quem o irá substituir? Que vão fazer sem ele os desgraçados, mesmo os mais ricos de que eu, que têm exatamente os poucos escudos de que precisam para conseguir uma boa educação, e dinheiro insuficiente para comprar um homem aos vinte anos e lançar-se numa carreira! Por mais que façamos - acrescentou com um profundo suspiro, essa lembrança fatal há de impedir-nos sempre de ser felizes!

3. Verossimilhança

A idéia de que o escritor deve reproduzir fielmente o real é um dos princípios centrais do movimento.

Essa semelhança com aquilo que seria a verdade da vida objetiva e da vida interior leva-o a renunciar a tudo que pareça improvável ou fantástico.

Nada dos velhos truques narrativos dos românticos que davam a impressão de artificialidade ou de invenção ficcional.

O leitor precisa acreditar na veracidade do texto, o qual lhe passará um sentido de totalização e abrangência, como se a própria realidade estivesse ali, naquelas páginas.

A literatura deve refletir os mecanismos da vida, eis o projeto do autor realista. E, para que haja este reflexo, esta mimese, são necessárias a observação e a experiência. O sentido da observação, em especial, torna-se o aspecto preponderante, na medida em que diminuem as chances de participação do artista na complexidade cada vez mais intrincada do mundo urbano. Ele não pode mais vivenciar todas as situações humanas. Apela então para a sua faculdade de ver, registrar entrevistar e informar-se.

Assim, o realista estabelece um novo procedimento para a composição literária, até hoje dominante no gosto do público leitor. Quanto ao elemento imaginário, nota-se que ocupa um segundo plano, sem perder, no entanto, sua função indispensável de fecundar criativamente os dados concretos, recolhidos da realidade.

4. Contemporaneidade

Se os românticos tinham o fascínio do passado, tanto o histórico como o individual, os realistas, pela necessidade da verossimilhança, escrevem sempre sobre fatos, situações e personagens relacionados com a vida presente, com a vida que lhes é contemporânea.

As grandes cidades com sua abundância de ofertas, suas infinitas chances de realização pessoal, amorosa e intelectual e, ao mesmo tempo, com seus inúmeros horrores e perigos, envolvem os artistas, fazendo-os descobrir as contradições da modernidade.

Baudelaire passeia pelas ruas de Paris e é seduzido pelo fascínio das multidões:

Nem a todos é dado tomar um banho de multidão: gozar da multidão é uma arte;(...) O passeador solitário e pensativo encontra singular embriaguez nessa comunhão universal. Aquele que desposa facilmente a multidão conhece gozos febris, de que estarão eternamente privados o egoísta, fechado como um cofre, e o preguiçoso, encaramujado feito um molusco. Ele adota como suas todas as profissões, todas as alegrias e todas as misérias que as circunstâncias lhe deparam.

Aquilo a que os homens chamam amor é muito pequeno, muito limitado e muito frágil, comparado a essa inefável orgia, a esta sagrada prostração da alma que se dá inteira, poesia e caridade, ao imprevisto que surge, ao desconhecido que passa.

5. Pessimismo

Descrentes das possibilidades da burguesia dominante em estabelecer um sentido justo para a existência, os artistas do período assumem posições de crítica e indignação frente a classe da qual quase todos procedem.

Alguns enxergam no socialismo - um socialismo em geral utópico - a saída, tornando-se ardorosos propagadores de um novo sistema histórico.

Outros, como os russos Tolstói e Dostoievski, voltam-se para um cristianismo primitivo, que pintam como única alternativa de uma autêntica comunidade humana.

A maioria, contudo, expressa seu desprezo pelos valores burgueses sem se afeiçoar a alguma ideologia reformista ou revolucionária. Muitos caem na amargura e no niilismo (descrença absoluta).

No final de Os Maias - obra-prima de Eça de Queirós - Carlos e João da Ega, educados para formar uma elite capaz de modificar Portugal, reconhecem o fracasso de sua geração. O tédio de Carlos é a metáfora da derrota:

Depois Carlos, outra vez sério, deu a sua teoria da vida, a teoria definitiva que ele deduzira da experiência e que agora o governava. Era o fatalismo muçulmano. Nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a tranqüilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes, e de dias suaves. E, nessa placidez, deixar esse pedaço de matéria organizada, que se chama o EU, ir deteriorando-se e decompondo até reentrar e se perder no infinito Universo. Sobretudo, não ter apetites. E, mais que tudo, não ter contrariedades.

Ega, em suma, concordava. Do que ele principalmente se convencera nesses estreitos anos de vida era da inutilidade de todo o esforço.



6. Perfeição Formal

Estabelece-se uma nova linguagem, entendida agora como fruto do trabalho e não da inspiração.

Decorre de um longo processo de síntese, de cortes, de eliminação do supérfluo, de despojamento do acessório, de busca da palavra exata.

O realista luta com as palavras, é um torturado pela forma, um obcecado pela adequação entre o pensamento, a idéia, o assunto e a linguagem que os reveste.

Flaubert representa o ponto máximo desse formalismo. Para ele, "construir" a forma é tão importante quanto desenvolver o conteúdo. Mas esta "construção" é angustiante porque a realidade transborda da linguagem, é maior que a linguagem, o que torna a tarefa literária quase uma impossibilidade pois a perfeição total nunca é atingida.

Resumindo: O como dizer se torna tão fundamental como aquilo que é dito. O esteticismo e a perfeição do estilo levaram Flaubert a sonhar com um livro sem mensagem, sem conteúdo, construído apenas de palavras perfeitas:

Escrever um livro sobre o nada, um livro sem relação com o exterior que se sustentaria apenas pela força interior de seu estilo, como a terra se sustém no ar sem ajuda. Um livro que quase não tivesse assunto, ou ao menos no qual o assunto fosse quase invisível, se alguém pudesse fazer isto. As obras mais formosas são aquelas que carecem praticamente de matéria. Nelas mais a expressão se aproxima do pensamento, mais a palavra desliza e desaparece.

Naturalismo

O Naturalismo é uma espécie de prolongamento do Realismo. Os dois movimentos são quase paralelos e muitos historiadores vêem no primeiro uma manifestação do segundo.

Assim, o Naturalismo assume quase todos os princípios do Realismo, tais como o predomínio da objetividade, da observação, da busca da verossimilhança, etc., acrescentando a isso - e eis o seu traço particular - uma visão cientificista da existência.

Conseqüência das novas idéias científicas e sociológicas que varriam a Europa, a visão naturalista ergue-se sobre os preceitos do evolucionismo, da hereditariedade biológica, do positivismo e da medicina experimental.

Hippolyte Taine - muito lido na época - afirma que "três fontes diversas contribuem para produzir o estado moral elementar do homem: a raça, o meio e o momento."

O maior dos naturalistas, Émile Zola, delimita o caráter dessa junção entre literatura e atividade científica, e a subordinação da primeira diante da segunda:

Meu desejo é pintar a vida, e para este fim devo pedir à Ciência que me explique o que é a vida, para que eu a fique conhecendo.

Zola não esconde a sua admiração por Claude Bernard, fundador da chamada medicina experimental.

O romancista procura se equiparar ao médico.

Seu método de composição artística pressupõe uma objetividade e um rigor tão absolutos que o escritor se transforma num mero ilustrador dos postulados das ciências. Diz ele:

O romance deve ser um estudo objetivo das paixões. Devemos observar escrupulosamente as sensações e os atos das pessoas. Limito-me a fazer em dois corpos vivos aquilo que os cirurgiões fazem em cadáveres.

Esta proximidade da literatura com o método de investigação médica de Bernard leva Zola a designar o romance naturalista também como romance experimental.

Naturalismo: todas as características do Realismo + cientificismo

(Cientificismo: adoção de leis científicas que regeriam a vida dos personagens)

O Real/Naturalismo no Brasil - contexto histórico

O fim da Guerra do Paraguai (1865-1870) determina o fim da legitimidade da monarquia brasileira junto A parcelas consideráveis da população.

Nem a vitória militar revigora o regime. Ao contrário, os oficiais do Exército, em seu retorno, recusam-se a perseguir os escravos fujões e começam a ser atraídos por idéias positivistas e republicanas.

Na sociedade civil, especialmente a urbana, um forte sentimento oposicionista toma conta dos setores médios e do público jovem.

No Nordeste, arruinado economicamente, surge a geração contestadora dos anos de 1870.

Sílvio Romero, Tobias Barreto e outros agitam um punhado de novas ideologias. De Comte a Taine, tudo que é...


anti-monárquico, anti-clerical, anti-escravocrata e anti-romântico...


... encontra eco na rebelde cidade do Recife. Já no início da década, Sílvio Romero, influenciado por teorias realistas, passa o atestado de óbito da poesia romântica, acusando-a de "lirismo retumbante e indianismo decrépito".

As mortes de Castro Alves, em 1871, e a de José de Alencar, em 1877, representam o fim de um ciclo literário, ainda que tanto o poeta baiano como o romancista cearense já se aproximassem, no fim de suas vidas, de uma expressão mais objetiva e menos idealista da realidade.

De qualquer forma, o Romantismo e o II Império tinham estado muito próximos e agora ambos iriam passar por uma longa agonia, à espera do último suspiro.

A sociedade, no entanto, continua se movendo, exigindo mudanças.

Em São Paulo, uma nova elite cafeicultora se distingue dos velhos barões do café, do Vale do Paraíba, por seu ideário modernizador: preferem imigrantes a escravos em suas lavouras e não são totalmente hostis à nascente atividade industrial.

Levas de imigrantes chegam, ora para o trabalho assalariado nas fazendas, ora para a ocupação de pequenas propriedades, no sul do país.

Graças a seus hábitos de poupança e a seus conhecimentos técnicos, muitos deles migrarão para as cidades, constituindo pequenas indústrias semi-artesanais.

Em 1884 a província do Ceará decreta a liberdade dos escravos, pondo-se a frente do processo abolicionista.

No Rio Grande do Sul, um grupo de jovens bacharéis cria um partido republicano de forte tendência autoritário-positivista, cuja culminância política seria atingida, quarenta anos depois, com Getúlio Vargas.

Os cadetes e os jovens oficiais do Exército ouvem cada vez mais as pregações ardentemente republicanas de Benjamin Constant, no Rio de Janeiro.

Tudo se move, menos a pesada estrutura política do Império.

Isolado do vozerio das ruas, o Imperador prefere fazer longas viagens pelo mundo que chegam a durar dois anos.

A ordem imperial é mantida apenas por grupos de latifundiários conservadores que luta contra a abolição, e por uma espécie de respeito coletivo pela figura venerável de D. Pedro II.

O fim da escravatura, em 1888, elimina o apoio dos senhores rurais e toda a nação parece esperar a morte do monarca para a proclamação da República.

Mas esta vem antes, por uma ação quase solitária do marechal monarquista Deodoro da Fonseca, em novembro de 1889.

Ainda que nascesse de um golpe de estado e não tivesse nenhuma proposta radical de alteração do status quo, a República contará com significativo apoio popular e trará progresso para o País, sobremodo a partir da virada do século. Uma grande era de inércia estava se acabando.

Marcos inaugurais do Realismo e do Naturalismo no Brasil

O Romantismo termina antes do Império. Na década de 1880 ele já está superado nos meios artísticos, exceto na música. Neste momento histórico, a intelectualidade rebela-se contra a pieguice, o exagero, o nacionalismo ufanista, e exige uma postura crítica diante da vida. 1881 é o ano decisivo: Machado de Assis lança "Memórias póstumas de Brás Cubas", e Aluísio Azevedo publica "O mulato", inaugurando respectivamente o Realismo e o Naturalismo entre nós.

Advirta-se, contudo, que o realismo machadiano tem pouco a ver com os princípios europeus do movimento, constituindo-se - como veremos adiante - num realismo à parte.

Também o romance inaugural da estética naturalista é perturbado por desvios românticos e melodramáticos, fazendo de "O mulato" (Aluísio Azevedo) uma obra de estilo mesclado. Apesar disso, as duas narrativas representam o triunfo do novo e abrem um período de excepcional brilho em nossa literatura.

Estudo da obra - "Memórias Póstumas de Brás Cubas"
http://fredb.sites.uol.com.br/mpbc.html
Estudo da obra - "O Mulato"
http://fredb.sites.uol.com.br/mulato.html

Machado de Assis (1839-1908)


Machado de Assis (Joaquim Maria M. de A.), jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 21 de junho de 1839, e faleceu também no Rio de Janeiro, em 29 de setembro de 1908. É o fundador da Cadeira nº. 23 da Academia Brasileira de Letras. Velho amigo e admirador de José de Alencar, que morrera cerca de vinte anos antes da fundação da ABL, era natural que Machado escolhesse o nome do autor de O Guarani para seu patrono. Ocupou por mais de dez anos a presidência da Academia, que passou a ser chamada também de Casa de Machado de Assis.

Filho do operário Francisco José Machado de Assis e de Leopoldina Machado de Assis, perdeu a mãe muito cedo, pouco mais se conhecendo de sua infância e início da adolescência. Foi criado no morro do Livramento e ajudou missa na igreja da Lampadosa. Sem meios para cursos regulares, estudou como pôde e, em 1855, com 16 anos incompletos, publicou o primeiro trabalho literário, o poema "Ela", na Marmota Fluminense, jornal de Francisco de Paula Brito, número datado de 12 de janeiro de 1855. No ano seguinte, entrou para a Imprensa Nacional, como aprendiz de tipógrafo, e lá conheceu Manuel Antônio de Almeida, que se tornou seu protetor. Em 1859, era revisor e colaborador no Correio Mercantil e, em 60, a convite de Quintino Bocaiúva, passou a pertencer à redação do Diário do Rio de Janeiro. Escrevia regularmente também para a revista O Espelho, onde estreou como crítico teatral, A Semana Ilustrada, de 16 de dezembro de 1860 até, pelo menos, 4 de julho de 1875, Jornal das Famílias, no qual publicou de preferência contos.

O primeiro volume de Machado de Assis foi impresso, em 1861, na tipografia de Paula Brito, com o título Queda que as mulheres têm para os tolos, mas o nome de Machado aparecia aí como tradutor. Em 1862, era censor teatral, cargo não remunerado, mas que lhe dava ingresso livre nos teatros. Começou também a colaborar em O Futuro, órgão dirigido por Faustino Xavier de Novais, irmão de sua futura esposa. Seu primeiro livro de poesias, Crisálidas, saiu em 1864. Em 1867, foi nomeado ajudante do diretor de publicação do Diário Oficial. Em agosto de 69, morreu Faustino Xavier de Novais e, menos de três meses depois (12 de novembro de 1869), Machado de Assis se casou com a irmã do amigo, Carolina Augusta Xavier de Novais. Foi companheira perfeita durante 35 anos, tendo-lhe revelado os clássicos portugueses e vários autores de língua inglesa. O primeiro romance de Machado, Ressurreição, saiu em 1872. Pouco depois, o escritor foi nomeado primeiro oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, iniciando assim a carreira de burocrata que lhe seria até o fim o meio principal de sobrevivência. Em 1874, começou a publicar, em O Globo de então (jornal de Quintino Bocaiúva), em folhetins, o romance A mão e a luva. Intensificou a colaboração em jornais e revistas, como O Cruzeiro, A Estação, Revista Brasileira (ainda na fase Midosi), escrevendo crônicas, contos, poesia, romances, que iam saindo em folhetins e depois eram publicados em livros. Uma de suas peças, Tu, só tu, puro amor, foi levada à cena no Imperial Teatro Dom Pedro II (junho de 1880), por ocasião das festas organizadas pelo Real Gabinete Português de Leitura para comemorar o tricentenário de Camões, e para essa celebração especialmente escrita. De 1881 a 1897, publicou na Gazeta de Notícias as suas melhores crônicas. Em 1881, o poeta Pedro Luís Pereira de Sousa assumiu o cargo de ministro interino da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e convidou Machado de Assis para seu oficial de gabinete (ele já estivera no posto, antes, no gabinete de Manuel Buarque de Macedo). Nesse ano de 1881 saiu também o livro que daria uma nova direção à carreira literária de Machado de Assis - Memórias póstumas de Brás Cubas, que ele publicara em folhetins na Revista Brasileira de 15 de março de 1879 a 15 de dezembro de 1880. Revelou-se também extraordinário contista em Papéis avulsos (1882) e nas várias coletâneas de contos que se seguiram. Em 1889, foi promovido a diretor da Diretoria do Comércio no Ministério em que servia.

Grande amigo de José Veríssimo, continuou colaborando na Revista Brasileira também na fase dirigida pelo escritor paraense. Do grupo de intelectuais que se reunia na Redação da Revista, e principalmente de Lúcio de Mendonça, partiu a idéia da criação da Academia Brasileira de Letras, projeto que Machado de Assis apoiou desde o início. Comparecia às reuniões preparatórias e, no dia 28 de janeiro de 1879, quando se instalou a Academia, foi eleito presidente da instituição, à qual ele se devotou até o fim da vida.

A obra de Machado de Assis abrange, praticamente, todos os gêneros literários. Na poesia, inicia com o romantismo de Crisálidas (1864) e Falenas (1870), passando pelo Indianismo em Americanas (1875), e o parnasianismo em Ocidentais (1897-1880). Paralelamente, apareciam as coletâneas de Contos fluminenses (1870) e Histórias da meia-noite (1873); os romances Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878), considerados como pertencentes ao seu período romântico. A partir daí, Machado de Assis entrou na grande fase das obras-primas, que fogem a qualquer denominação de escola literária e que o tornaram o escritor maior das letras brasileiras e um dos maiores autores da literatura de língua portuguesa.
A obra de Machado de Assis foi, em vida do Autor, editada pela Livraria Garnier, desde 1869; em 1936, W. M. Jackson, do Rio de Janeiro, publicou as Obras completas, em 31 volumes. Raimundo Magalhães Júnior organizou e publicou, pela Civilização Brasileira, os seguintes volumes de Machado de Assis: Contos e crônicas (1958); Contos esparsos (1966); Contos esquecidos (1966); Contos recolhidos (1966); Contos avulsos (1966); Contos sem data (1966); Crônicas de Lélio (1966); Diálogos e reflexões de um relojoeiro (1966). Em 1975, a Comissão Machado de Assis, instituída pelo Ministério da Educação e Cultura e encabeçada pelo presidente da Academia Brasileira de Letras, organizou e publicou, também pela Civilização Brasileira, as Edições críticas de obras de Machado de Assis, em 15 volumes, reunindo contos, romances e poesias desse escritor máximo da literatura brasileira.

Outros sites com informações sobre o autor:

Senado -




Vidas Lusófonas -