segunda-feira, 30 de julho de 2007

Arcadismo (resumo dos conceitos-chave)

Representação da Arcádia no Peloponeso.


O Arcadismo é uma escola literária surgida na Europa no século XVIII. O nome dessa escola é uma referência à Arcádia, região bucólica do Peloponeso, na Grécia, tida como ideal de inspiração poética.

No Brasil, o movimento árcade toma forma a partir da segunda metade do século XVIII.

A principal característica desta escola é a exaltação da natureza e de tudo que lhe diz respeito. É por isto que muitos poetas ligados ao arcadismo adotaram pseudônimos de pastores gregos ou latinos (pois o ideal de vida válido era o de uma vida bucólica).

As manifestações artísticas do século XVII (Arcadismo ou Neoclassicismo e Rococó) refletem a ideologia da classe aristocrática em decadência e da alta burguesia, insatisfeitas com o absolutismo real, com a pesada solenidade do Barroco, com as formas sociais de convivência rígidas, artificiais e complicadas.

As mudanças estéticas terão por base uma revolução filosófica: o Iluminismo.

Os criadores do Iluminismo (ou Ilustração) já não aceitam o "direito divino dos reis", tampouco a fé cega nos mandatários da Igreja. Qualquer poder ou privilégio precisa ser submetido a uma análise racional. E agora é a razão (e não mais a crença religiosa) que aparece como sinônimo de verdade.

As novas idéias assentam um golpe definitivo na visão de mundo barroca, baseada mais no sensitivo do que no racional, mais no religioso do que no civil. Por oposição ao século anterior, procura-se, no século XVIII, simplificar a arte. E esta simplificação se dará na pintura, na música, na literatura e na arquitetura pelo domínio da razão, pela imitação dos clássicos, pela aproximação com a natureza e pela valorização das atividades galantes dos freqüentadores dos salões da nobreza européia.


Arcadismo, Setecentismo (os anos 1700) ou Neoclassicismo

O arcadismo, setecentismo (os anos 1700) ou neoclassicismo é o período que caracteriza principalmente a segunda metade do século XVIII, tingindo as artes de uma nova tonalidade burguesa. A influência neoclássica penetrou em todos os setores da vida artística européia, no século XVIII. Os artistas desse período compreendiam que o Barroco havia ultrapassado os limites do que se considerava arte de qualidade e procuravam recuperar e imitar os padrões artísticos do Renascimento, tomados então como modelo.

Na Itália essa influência assumiu feição particular. Conhecida como Arcadismo, inspirava-se na lendária região da Grécia antiga. Segundo a lenda, a Arcádia era dominada pelo deus Pan e habitada por pastores que, vivendo de modo simples e espontâneo, se divertiam cantando, fazendo disputas poéticas e celebrando o amor e o prazer.

Os italianos, procurando imitar a lenda grega, criaram a Arcádia em 1690 - uma academia literária que reunia os escritores com a finalidade de combater o Barroco e difundir os ideais neoclássicos. Para serem coerentes com certos princípios, como simplicidade e igualdade, os cultos literatos árcades usavam roupas e pseudônimos de pastores gregos e reuniam-se em parques e jardins para gozar a vida natural.

Arcadismo: marcos iniciais e contexto histórico

Marcos iniciais

No Mundo

Criação da 1ª Arcádia pelos italianos, procurando imitar a lenda grega

Em Portugal

Fundação da Arcádia Lusitana (1756)

No Brasil

Publicação das Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa (1768)
Fundação da Arcádia Ultramarina em Vila Rica

Principais acontecimentos históricos


No mundo

  • Século XVIII - Século das Luzes
  • Progressivo descrédito das monarquias absolutas;
  • decadência da aristocracia feudal;
  • crescimento do poder da burguesia;
  • Revolução Industrial inglesa;
  • Revolução Francesa.

Pensamento da época

Iluminismo: O uso da razão como meio para satisfazer as necessidades do homem. Os movimentos pela independência do Brasil, como a Inconfidência Mineira, por exemplo, inspiraram-nas nas idéias iluministas.

Laicismo: Estado e igreja devem ser independentes, e as funções do Estado, como a política, a economia, a educação, exercidas por leigos.

Liberalismo: ideologia política que defende os sistemas representativos, os direitos civis e a igualdade de oportunidades para os cidadãos.

* três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário
* Constituição
* Todos estão sob a lei

Empirismo: corrente filosófica que atribui à experiência sensível a origem de todo conhecimento humano.


Em Portugal

  • D. José no trono na casa do pai João
  • Período Pombal (1750 a 1777)
  • Grandes Reformas na Economia
  • Aumento da exploração na colônia do Brasil
  • Expulsão dos jesuítas do território português
  • A morte de D. José, em 1777, e a queda de Pombal
  • D. Maria, sucessora do trono, tenta resolver os problemas, cada vez maiores, do Erário Real.
  • O dominio Inglês em Portugal cresce, e a dependência econômica de Portugal torna-se incontrolável.


No Brasil

  • Minas Gerais como centro econômico e político
  • A descoberta do ouro, na região de Minas Gerais, forma cidades ao redor.
  • Vila Rica (atual Ouro Preto) se consolida como espaço cultural desde o Barroco (Aleijadinho)
  • A corrida pelo ouro se intensifica.
  • Influências das arcádias portuguesas nos poetas brasileiros
  • Conflitos com o Império (Inconfidência Mineira)
  • O ciclo da mineração
  • A expulsão dos jesuítas do Brasil - (1759)
  • A Inconfidência Mineira(1789)
A descoberta do ouro na região de Minas Gerais, em fins do século XVII, significa o início de grandes mudanças na sociedade colonial brasileira. A corrida em busca do metal precioso desloca para serras, até então desertas, uma multidão de aventureiros paulistas, baianos e, em seguida, portugueses. A abundância do ouro gera extraordinária riqueza e os primeiros acampamentos de mineiros transformam-se rapidamente em cidades.

O Período de Pombal

Neste momento histórico, D. José assume o reino e nomeia como primeiro-ministro o Marquês de Pombal, que permanecerá no poder de 1750 a 1777. Típico representante do despotismo esclarecido, Pombal inicia uma série de reformas para salvar Portugal da decadência em que mergulhara desde meados do século XVI. O violento terremoto que destrói Lisboa, em 1755, amplia as necessidades financeiras do tesouro luso e os impostos são brutalmente aumentados.

O reformismo de Pombal enfrenta resistências, e ele decide expulsar os jesuítas dos territórios portugueses, no ano de 1758. Também a parcela da nobreza que se opunha a seus projetos é aprisionada e silenciada. Um grande esforço industrial sacode a pasmaceira da Corte. Monopólios comerciais privados e empreendimentos fabris comandam a tentativa de mudança do modelo econômico. O ouro do Brasil funciona como lastro destas reformas.

A Inconfidência Mineira

O crescente endividamento dos proprietários de minas com a Coroa aumenta o desconforto e a repulsa pelo fisco insaciável. Na consciência de muitos ecoa o sucesso da Independência Americana, de 1776. E também a força subversiva das idéias iluministas - expressas em livros que circulam clandestinamente por Vila Rica e outras cidades. Tudo isso termina por estimular membros das elites e alguns representantes populares ao levante de 1789.

Apenas a traição de Joaquim Silvério impedirá que a Inconfidência Mineira chegue a bom termo. Porém, o martírio de Tiradentes e a participação de poetas árcades (ainda que tênue e por vezes equivocada), no esforço revolucionário, transformam a sedição no episódio de maior grandeza do passado colonial brasileiro.

Em resumo:
  • História colonial muito valorizada
  • Início do nacionalismo
  • Início da luta pela independência - Tomás Antônio Gonzaga ("primeira cabeça da inconfidência" segundo Joaquim Silvério, delator da Inconfidência Mineira)
  • A colônia é colocada como centro das atenções.

Principais características do Arcadismo

No Brasil e em Portugal, a experiência neoclássica na literatura se deu em torno dos modelos do Arcadismo italiano, com a fundação de academias literárias, simulação pastoral, ambiente campestre etc.

Esses ideais de vida simples e natural vêm ao encontro dos anseios de um novo público consumidor em formação, a burguesia, que historicamente lutava pelo poder e denunciava a vida luxuosa da nobreza nas cortes.

O desejo da natureza, a realização da poesia pastoril, a reverência ao bucolismo são traços marcantes da literatura arcádica, disposta a fazer valer a simplicidade perdida no Barroco.
Expressões latinas utilizadas para descrever conceitos árcades:
  • Fugere urbem (fuga da cidade)
  • Locus amoenus (lugar aprazível, ameno)
  • Aurea Mediocritas (mediocridade áurea - simboliza a valorização das coisas cotidianas focalizadas pela razão)
  • Inutilia truncat (cortar o inútil - eliminar o rebuscamento barroco)
  • Carpe diem (aproveite o dia)
A estética do Arcadismo pode ser resumida nos seguintes tópicos:

1) BUSCA DA SIMPLICIDADE

A fórmula básica do Arcadismo pode ser representada assim:


Verdade = Razão = Simplicidade


2) IMITAÇÃO DA NATUREZA

Ao contrário do Barroco, que é urbano, há no Arcadismo um retorno à ordem natural. Como na literatura clássica, a natureza adquire um sentido de simplicidade, harmonia e verdade. Cultua-se o "homem natural", isto é, o homem que "imita" a natureza em sua ordenação, em sua serenidade, em seu equilíbrio, e condena-se toda ousadia, extravagância, exacerbação das emoções.

O bucolismo (integração serena entre o indivíduo e a paisagem física) torna-se um imperativo social, e os neoclássicos franceses retornam às fontes da antiguidade que definiam a poesia como cópia da natureza.

A literatura pastoril

Esta aproximação com o natural se dá por intermédio de uma literatura de caráter pastoril: o Arcadismo é uma festa campestre, representando a descuidada existência de pastores e pastoras na paz do campo, entre ovelhinhas. Porém, essa literatura pastoril não surge da vivência direta da natureza, ao contrário do que aconteceria com os artistas românticos, no século seguinte. Pode-se dizer que uma distância infinita separa os pastores reais dos "pastores" árcades. E que sua poesia campestre é meramente uma convenção, ou seja, uma espécie de modismo de época a que todo escritor deve se submeter.

Sendo assim, estes campos, estes pastores e estes rebanhos são artificiais como aqueles cenários de papelão pintado que a gente vê no teatrinho infantil. Não devemos, pois, cobrar dos árcades realismo do cenário e sim atentar para os sentimentos e idéias que eles, porventura, expressem.

No exemplo abaixo, de Tomás Antônio Gonzaga, percebemos que o mundo pastoril é apenas um quadro convencional para o poeta refletir sobre o sentido da natureza:

Enquanto pasta alegre o manso gado, / minha bela Marília, nos sentemos / à sombra deste cedro levantado. / Um pouco meditemos / na regular beleza, / Que em tudo quanto vive nos descobre / A sábia natureza.

3) IMITAÇÃO DOS CLÁSSICOS

Processa-se um retorno ao universo de referências clássicas, que é proporcional à reação antibarroca do movimento. O escritor árcade está preocupado em ser simples, racional, inteligível. E para atingir esses requisitos exige-se a imitação dos autores consagrados da Antiguidade, preferencialmente os pastoris.

Como nestes versos de Marília de Dirceu:

Pintam, Marília, os poetas
a um menino vendado,
com uma aljava de setas,
arco empunhado na mão;
ligeiras asas nos ombros,
o terno corpo despido,
e de Amor ou de Cupido
são os nomes que lhe dão.

4) AUSÊNCIA DE SUBJETIVIDADE

A constante e obrigatória utilização de imagens clássicas tradicionais acaba sedimentando uma poesia despersonalizada. O escritor não anda com o próprio eu. Adota uma forma pastoril:
  • Cláudio Manuel da Costa é Glauceste Satúrnio,
  • Tomás Antônio Gonzaga é Dirceu,
  • Silva Alvarenga é Alcino Palmireno,
  • Basílio da Gama é Termindo Sipílio.

Principais autores do Arcadismo brasileiro

A) POESIA LÍRICA

1. CLÁUDIO MANUEL DA COSTA (1729 - 1789)

Obras: Obras poéticas (1768), Vila Rica (1839)
  • Poeta de transição.
  • Reconhece e admira os princípios estéticos do Arcadismo, aos quais pretende se filiar,
  • Mas não consegue vencer as fortes influências barrocas e camonianas que marcaram a sua juventude intelectual.
  • Racionalmente um árcade,
  • Emotivamente um barroco

Sobre ele:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Cl%C3%A1udio_Manuel_da_Costa

2. TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA (1744-1810)

Obras: Marília de Dirceu (Parte I - 1792; Parte II - 1799; Parte III - 1812), Cartas Chilenas (1845)

Uma das obras líricas mais estimadas e lidas no país, Marília de Dirceu permite duas abordagens igualmente válidas. A primeira mostra-a como o texto árcade por excelência. A segunda aponta para sua dimensão pré-romântica.

  • Pastoralismo
  • Galanteria
  • Clareza
  • Recusa em intensificar a subjetividade
  • Racionalismo neoclássico que transforma a vida num caminho fácil para as almas sossegadas

Eis alguns dos elementos que configuram o Arcadismo nas liras de Tomás Antônio Gonzaga, especialmente as da primeira parte do livro, produzidas ainda em liberdade

Um pastor (que é o poeta) celebra, em tom moderadamente apaixonado, as graças da pastora Marília, que conquistou o seu coração:

Tu, Marília, agora vendo
Do Amor o lindo retrato
Contigo estarás dizendo
Que é este o retrato teu.
Sim, Marília, a cópia é tua,
Que Cupido é Deus suposto:
Se há Cupido, é só teu rosto
Que ele foi quem me venceu.

Percebe-se no poema

  • Enquadramento dos impulsos afetivos dentro do amor galante
  • Longe do passionalismo romântico
  • Expressão sentimental vale-se de alegorias mitológicas
  • Conjunto de frases feitas sobre os encantos da amada, sobre as qualidades do pastor
  • Dirceu e sobre a felicidade do futuro relacionamento entre ambos.
  • Conforme o gosto do período, há um esforço para cantar as qualidades da vida em família, do casamento, das módicas alegrias que sustentam um lar.
  • O Desejo da Vida Comum ("Aurea Mediocritas")

Sobre o autor:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Tom%C3%A1s_Ant%C3%B4nio_Gonzaga

B) POESIA ÉPICA

1. BASÍLIO DA GAMA (1741 -1795)

Obra: O Uraguai

O esforço neoclássico do século XVIII leva alguns autores a sonhar com a possibilidade de um retorno ao sentido épico do mundo antigo.

No entanto, numa era onde as concepções burguesas, o racionalismo e a Ilustração triunfam, o heroísmo guerreiro ou aventureiro parecem irremediavelmente fora de moda. A epopéia ressurge, é verdade, mas quase como farsa.

Sobre o autor:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Bas%C3%ADlio_da_Gama

2. SANTA RITA DURÃO (1722-1784) ou Frei José de Santa Rita Durão

Sobre ele:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_Rita_Dur%C3%A3o

Obra: Caramuru (1781)

Introdução de paisagens tropicais

Dois exemplos poéticos

Soneto

Já rompe, Nise, a matutina Aurora
O negro manto, com que a noite escura,
Sufocando o sol a face pura,
Tinha escondido a chama brilhadora.

Aque alegre, que suave, que sonora,
Aquela fontezinha aqui murmura!
E nestes campos cheios de verdura
Que avultado o prazer tanto melhora?

Só minha alma em fatal melancolia,
Por te não poder ver, Nise Adorada,
Não sabe ainda que coisa é alegria;

E a suavidade do prazer trocada,
Tanto mais aborrece a luz do dia,
Quanto a sombra da noite mais lhe agrada.

Cláudio Manuel da Costa


Canto IV de O Uraguai

Trecho em que é contada a morte da índia Lindóia, encontrada por seu irmão Caitutu adormecida e com uma serpente enrolada ao corpo.

"(...) Mais perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim, sobressaltados,
E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamála, e temem
Que desperte assustada, e irrite o monstro,
E fuja, e apresse no fugir a morte.
Porém o destro Caitutu, que teme
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira e o temor. Enfim sacode
O arco e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindóia, e fere
A serpente na testa, e a boca e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
Açouta o campo coa ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindóia
O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece, com que dor! no frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito.
Os olhos, em que Amor reinava, um dia,
Cheios de morte; e muda aquela língua
Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes
Contou a larga história de seus males.
Nos olhos Caitutu não sofre o prento,
E rompe em profundíssimos suspiros,
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trêmula gravado
O alheio crime e a voluntária morte.
E por todas as partes repetido
O suspiro nome de Cacambo.
Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado e triste,
Que os corações mais duros enternece.
Tanto era bela no seu rosto a morte."

Basílio da Gama

Marília de Dirceu

Duas tendências coexistem nas liras de Gonzaga:

a) a contenção e o equilíbrio neoclássicos, com a utilização de todos os lugares-comuns do Arcadismo: um pastor, uma pastora, o campo, a serenidade da paisagem principal.

b) o emocionalismo pré-romântico, na expressão pungente da crise amorosa e, posteriormente a prisão, da crise existencial do poeta.

O sujeito lírico é o pastor Dirceu, que confessa seu amor pela pastora Marília. Eis a convenção neoclássica realizada, Mas é evidente que nos pastores se projeta o drama amoroso vivido por Gonzaga e Maria Dorotéia. A todo momento a emoção rompe o véu da estilização arcádica, brotando, dessa tensão, uma poesia de alta qualidade.

Os poemas se chamam liras.

A obra se divide em duas partes (há uma terceira, cuja autenticidade é contestada por alguns críticos):

1ª parte: contém os poemas escritos na época anterior à prisão de Gonzaga. Nela predominam as composições convencionais: o pastor Dirceu celebra a beleza de Marília em pequenas odes anacreônticas. Em algumas liras, entretanto, as convenções mal disfarçam a confissão amorosa do amor: a ansiedade de um quarentão apaixonado por uma adolescente; a necessidade de mostrar que não é um qualquer e que merece sua amada; os projetos de uma sossegada vida futura, rodeado de filhos e bem cuidado por suas mulher etc.

2ª parte: escrita na prisão da ilha das Cobras. Os poemas exprimem a solidão de Dirceu, saudoso de Marília. Nesta segunda parte, encontramos a melhor poesia de Gonzaga. As convenções, embora ainda presentes, não sustentam o equilíbrio neoclássico. O tom confessional e o pessimismo prenunciam o emocionalismo romântico.


Da primeira parte

LIRA 14

Minha bela Marília, tudo passa;
A sorte deste mundo e mal segura;
Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça.
Estão os mesmos Deuses
Sujeitos ao poder do impio Fado:
Apolo já fugiu do Céu brilhante,
Já foi Pastor de gado.
A devorante mão da negra Morte
Acaba de roubar o bem, que temos;
Até na triste campa não podemos
Zombar do braço da inconstante sorte.
Qual fica no sepulcro,
Que seus avos ergueram, descansado;
Qual no campo, e lhe arranca os brancos ossos
Ferro do torto arado.
Ah! enquanto os Destinos impiedosos
Não voltam contra nos a face irada,
Façamos, sim façamos, doce amada,
Os nossos breves dias mais ditosos.
Um coração, que frouxo
A grata posse de seu bem difere,
A si, Marília, a si próprio rouba,
E a si próprio fere.
Ornemos nossas testas com as flores;
E façamos de feno um brando leito,
Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
Gozemos do prazer de sãos Amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo corre;
E para nós o tempo, que se passa,
Também, Marília, morre.
Com os anos, Marília, o gosto falta,
E se entorpece o corpo já cansado;
Triste o velho cordeiro está deitado,
E o leve filho sempre alegre salta.
A mesma formosura
E dote, que só goza a mocidade:
Rugam-se as faces, o cabelo alveja,
Mal chega a longa idade.
Que havemos de esperar, Marília bela?
Que vão passando os florescentes dias?
As glórias, que vem tarde, já vem frias;
E pode enfim mudar-se a nossa estrela.
Ah! não, minha Marília,
Aproveite-se o tempo, antes que faça
0 estrago de roubar ao corpo as forças
E ao semblante a graça.

Da segunda parte

LIRA 19

N esta triste masmorra,
De um semivivo corpo sepultura,
Inda, Marília, adoro
A tua formosura.
Amor na minha idéia te retrata;
Busca extremoso, que eu assim resista
A dor imensa, que me cerca, e mata.
Quando em meu mal pondero,
Então mais vivamente te diviso:
Vejo o teu rosto, e escuto
A tua voz, e riso.
Movo ligeiro para o vulto os passos;
Eu beijo a tíbia luz em vez de face;
E aperto sobre o peito em vão os braços
Conheço a ilusão minha;
A violência da magoa não suporto;
Foge-me a vista, e caio,
Não sei se vivo, ou morto.
Enternece-se Amor de estrago tanto;
Reclina-me no peito, e com mão terna
Me limpa os olhos do salgado pranto.
Depois que represento
Por largo espaço a imagem de um defunto,
Movo os membros, suspiro,
E onde estou pergunto.
Conheço então que amor me tem consigo;
Ergo a cabeça, que inda mal sustento,
E com doente voz assim 1he digo:
"Se queres ser piedoso,
Procura o sítio em que Marília mora,
Pinta-1he o meu estrago,
E vê, Amor, se chora.
Se lágrimas verter, se a dor a arrasta,
Uma delas me traze sobre as penas,
E para alívio meu só isto basta."

Fonte: http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=literatura/docs/arcadismo

das reflexões do Prof. Hélio Consolaro

O período Barroco

O período Barroco, sucedeu o Renascimento, do final do século XVI ao final do século XVII, estendendo-se a todas as manifestações culturais e artísticas européias e latino-americanas.

Iniciado pelo maneirismo e extinto no rococó, considerado um barroco exagerado e exuberante, e para alguns, a decadência do movimento. Em sua estética,o barroco revela a busca da novidade e da surpresa; o gosto pela dificuldade, pregando a idéia de que se nada é estável, tudo deve ser decifrado; a tendência ao artifício e ao engenho; a noção de que no inacabado reside o ideal supremo de uma obra artística. A literatura barroca se caracteriza pelo uso da linguagem dramática expressa no exagero de figuras de linguagem, de hipérboles, metáforas, anacolutos e antíteses.

Fonte: Wikipédia

Barroco: contexto histórico


- o Renascimento recusa os valores religiosos e artísticos da Idade Média;
- o Barroco tenta inutilmente conciliar a visão medieval da vida e da arte com a visão renascentista.
  • Dilemas de um homem que perdeu sua confiança ilimitada na razão e na harmonia
  • Volta a uma intensa religiosidade medieval
  • Eliminação dos conceitos renascentistas de vida e arte
  • Contradições
  • Contra-Reforma
  • Arte eclesiástica, que deseja propagar a fé católica.
  • A Igreja legitima o "direito divino dos reis", isto é, o absolutismo despótico nos impérios católicos.

Em nenhuma outra época se produz tamanha quantidade de igrejas e capelas, estátuas de santos e documentos sepulcrais.


  • As obras de arte devem falar aos fiéis com a maior eficácia possível, mas em momento algum descer até eles.
  • Daí o caráter solene da arte barroca.
  • Arte que tem de convencer, conquistar, impor admiração.

Período colonial

  • Estilos artísticos dominantes nas metrópoles copiados nas colônias
  • Barroco das nações ibéricas irrompe na América Latina como um transplante cultural
  • Matriz: Espanha
  • Portugal – entre 1580 a 1640 –sob domínio

O Barroco ou Seiscentismo tem seu início em 1580 com a unificação da Península Ibérica, o que acarretará um forte domínio espanhol em todas as atividades, daí o nome Escola Espanhola, também dado ao Barroco lusitano.

O Seiscentismo se estenderá até 1756, com a fundação da Arcádia Lusitana, já em pleno governo do Marquês de Pombal, aberto aos novos ares da ideologia liberal burguesa iluminista, que caracterizará a segunda metade do século XVIII.

  • No início do século XVII, a Espanha vive uma crise terrível - guerras perdidas na Europa- perseguição à burguesia judaica- ausência de indústrias- violência da Inquisição - colapso da agro-pecuária
  • Nem o ouro nem a prata, das colônias conseguem amenizar o declínio da outrora grandiosa potência
  • A pobreza se espalha pela nação e uma profunda religiosidade impregna o cotidiano de todas as classes sociais, da nobreza aos excluídos
  • Ou seja, a mesma situação de desconforto econômico e de mal-estar cultural que viria ocorrer na Bahia de Gregório de Matos Guerra, algumas décadas depois.
  • Neste panorama de decadência e fracasso surgem as obras de Góngora, Quevedo, Gracián e Calderón de la Barca que levarão a literatura barroca espanhola a um extraordinário patamar artístico, influenciando decisivamente poetas e prosadores latino-americanos do século XVII.

Barroco: surgimento no Brasil

Mesmo considerando o Barroco o primeiro estilo de época da literatura brasileira e Gregório de Matos o primeiro poeta efetivamente brasileiro, com sentimento nativista manifesto, na realidade ainda não se pode isolar a Colônia da Metrópole.
  • Marco inicial: 1601 com a publicação do poema épico Prosopopéia, de Bento Teixeira, que introduz definitivamente o modelo da poesia camoniana em nossa literatura.
  • Duração: todo o século XVII e início do século XVIII.
  • Derrocada: a partir de 1724, com a fundação da Academia Brasílica dos Esquecidos, o movimento academicista ganhava corpo, assinalando a decadência dos valores defendidos pelo Barroso e a ascensão do movimento árcade.
  • Término: 1768, com a fundação da Arcádia Ultramarina e com a publicação do livro Obras, de Cláudio Manuel da Costa.

Barroco (resumo dos conceitos-chave)

  • Principal motivo: desengano (desencanto, desilusão)
  • Forte substrato religioso
  • Desvalorização da vida humana frente à morte e à eternidade
  • Cisão entre a alegria da existência e a preparação para a morte
  • Consciência trágica da avassaladora passagem do tempo

- A vida é sonho.
- A vida é breve.
- Viver é ir morrendo aos poucos

  • Principais estilos: cultismo e conceptismo

    Diante das coisas transitórias, surge a contradição: vivê-las, antes que terminem, ou renunciar ao terreno e entregar-se à eternidade?

Assim, o criador barroco ora ajoelha-se diante de Deus, ora celebra as delícias da vida. Os dois exemplos pertencem a Gregório de Matos Guerra:

(A)
A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos
E, por não castigar-me, estais cravados.


(B)
Com vossos três amantes me confundo,
Mas vendo-vos com todos cuidados,
Entendo que de amante e amorosa
Podeis vender amor a todo o mundo.

Cultismo e Conceptismo

Podemos notar dois estilos no barroco literário:

Cultismo: é caracterizado pela linguagem rebuscada, culta, extravagante (hipérboles), descritiva; pela valorização do pormenor mediante jogos de palavras (ludismo verbal), com visível influência do poeta espanhol Luís de Gôngora; daí o estilo ser também conhecido por Gongorismo. No cultismo valoriza-se o "como dizer".
  • Busca da perfeição formal através de um estilo rebuscado.
  • Utilização contínua de neologismos.
  • Metáforas arrojadas e hipérbatos (inversões sintáticas) freqüentes.

Conceptismo: é marcado pelo jogo de idéias, de conceitos, seguindo um raciocínio lógico, racionalista, que utiliza uma retórica aprimorada (arte de bem falar, ou escrever, com o propósito de convencer; oratória).

Um dos principais cultores do Conceptismo foi o espanhol Quevedo, de onde deriva o termo Quevedismo. Valoriza-se, neste estilo, "o que dizer".

  • Tentativa de dizer o máximo com o mínimo de palavras.
  • Emprego de elipses, duplos sentidos, paradoxos e alegorias.
  • Requinte expressivo e sutileza das idéias.

As características principais são:

Culto do contraste: o poeta barroco se sente dividido, confuso. A obra é marcada pelo dualismo: carne X espírito, vida X morte, luz X sombra, racional X místico. Por isso, o emprego de antíteses.

Pessimismo: devido a tensão (dualidade), o poeta barroco não tinha nenhuma perspectiva diante da vida.

Literatura moralista:
a literatura tornou-se um importante instrumento para educar e para "pregar" por parte dos religiosos (padres).

Linguagem do Barroco

Estilo retorcido, contraditório, por vezes brilhante, por vezes incompreensível e de mau gosto.

A audácia verbal não tem limites:

- comparações inesperadas,
- antíteses,
- paradoxos,
- hipérboles,
- inversões nas frases,
- palavras raras

Vejamos alguns exemplos:

Metáfora:
Purpúreas rosas sobre Galatea / A aurora entre lírios cândidos desfolha. (Góngora)

(A luz rosada do amanhecer banha o corpo branco da jovem Galatea)

Antítese:
A aurora ontem me deu berço, a noite ataúde me deu. (Góngora)

Paradoxo:
Amor é fogo que arde sem se ver; / é ferida que dói e não se sente; / é um contentamento descontente; / é dor que desatina sem doer. (Camões)

Jogo verbal:
O todo sem a parte não é todo; / a parte sem o todo não é parte; / mas se a parte o faz todo, sendo parte, / não se diga que é parte sendo todo. (Gregório de Matos)

Gosto dos poetas barrocos pelo soneto, seguindo a tradição renascentista.

Principais autores do barroco brasileiro

  • Gregório de Matos, representa a vértice cultista do nosso Barroco;

    Obra poética vasta
    Desigual
    Muitas vezes, de duvidosa autoria.

    Era conhecido como
    "Boca do Inferno"

    Três matizes básicas em sua produção:

    - Poesia religiosa
    - Poesia amorosa
    - Poesia satírica

    Obras principais:
  • Padre Vieira, representa a vértice conceptista do nosso Barroco.

    Orador sacro fascinado pelos dramas humanos, mestre das palavras, profeta enlouquecido, inimigo da Inquisição, defensor dos judeus e dos escravos, combatente religioso, indivíduo ao mesmo tempo místico e realista, o padre Antônio Vieira representa as contradições, os extremos e os excessos do espírito barroco. Espírito que, como nenhum outro escritor do século XVII, ele sintetiza genialmente.

    Obras principais: Os sermões (1679-1748); História do Futuro (1854).

Gregório de Matos Guerra


Gregório de Matos Guerra (Salvador, 7 de abril de 1623 ou 1633 — Recife, 26 de novembro de 1696), alcunhado de Boca do Inferno, foi um advogado e poeta brasileiro da época colonial. É considerado o maior poeta barroco do Brasil e um dos maiores poetas da Língua.


Fonte: Wikipédia


Foram seus pais Gregório de Matos, fidalgo da série dos Escudeiros, do Minho, Portugal, e Maria da Guerra, respeitável matrona. Estudou Humanidades no Colégio dos Jesuítas e depois transferiu-se para Coimbra, onde se formou em Direito. Sua tese de doutoramento, toda ela escrita em latim, encontra-se na Biblioteca Nacional. Exerceu em Portugal os cargos de curador de órfãos e de juiz criminal e lá escreveu o poema satírico Marinícolas. Desgostoso, não se adaptou à vida na metrópole, regressando ao Brasil aos 47 anos de idade.

Na Bahia, recebeu do primeiro arcebispo, D. Gaspar Barata, os cargos de vigário-geral (só com ordens menores) e de tesoureiro-mor, mas foi deposto por não querer completar as ordens eclesiásticas. Apaixonou-se pela viúva Maria de Povos, com quem passou a viver, com prodigalidade, até ficar reduzido à miséria. Passou a viver existência boêmia, aborrecido do mundo e de todos, e a todos satirizando com mordacidade.

O governador D. João de Alencastre, que primeiro queria protegê-lo, teve afinal de mandá-lo degredado para Angola, a fim de o afastar da vingança de um sobrinho de seu antecessor, Antônio Luís da Câmara Coutinho, por causa das sátiras que sofrera o tio. Chegou a partir para o desterro, e advogava em Luanda, mas pôde voltar ao Brasil para prestar algum serviço ao Governador. Estabelecendo-se em Pernambuco, ali conseguiu fazer-se mais querido do que na Bahia, até que faleceu, reconciliado como bom cristão, em 1696, ao 73 anos de idade.

Como poeta de inesgotável fonte satírica não poupava ao governo, à falsa nobreza da terra e nem mesmo ao clero. Não lhe escaparam os padres corruptos, os reinóis e degredados, os mulatos e emboabas, os "caramurus", os arrivistas e novos-ricos, toda uma burguesia improvisada e inautêntica, exploradora da colônia. Perigoso e mordaz, apelidaram-no de "O Boca do Inferno".


Foi o primeiro poeta a cantar o elemento brasileiro, o tipo local, produto do meio geográfico e social. Influenciado pelos mestres espanhóis da Época de Ouro Góngora, Quevedo, Gracián, Calderón sua poesia é a maior expressão do Barroco literário brasileiro, no lirismo. Sua obra compreende: poesia lírica, sacra, satírica e erótica. Ao seu tempo a imprensa estava oficialmente proibida. Suas poesias corriam em manuscritos, de mão em mão, e o Governador da Bahia D. João de Alencastre, que tanto admirava "as valentias desta musa", coligia os versos de Gregório e os fazia transcrever em livros especiais. Ficaram também cópias feitas por admiradores, como Manuel Pereira Rabelo, biógrafo do poeta. Por isso é temerário afirmar que toda a obra a ele atribuída haja sido realmente de sua autoria. Entre os melhores códices e os mais completos, destacam-se o que se encontra na Biblioteca Nacional e o de Varnhagen no Palácio Itamarati.


Sua obra foi editada na Coleção Afrânio Peixoto (1a fase), da Academia Brasileira de Letras, em seis volumes, assim distribuída: I Sacra (1923); II Lírica (1923); Graciosa (1930); IV-V Satírica (1930); VI Última (1933). Na Biblioteca Municipal de São Paulo há uma cópia datilografada dos versos pornográficos de Gregório de Matos, com o título Satyras Sotádicas de Gregório de Matos.

Fonte: Academia Brasileira de Letras em



O apelido "boca do inferno" foi dado a Gregório, por sua ousadia em criticar a Igreja Católica, muitas vezes ofendendo padres e freiras. Criticava também a cidade da Bahia, como nesse poema:

A cada canto um grande conselheiro.
que nos quer governar cabana, e vinha,
não sabem governar sua cozinha,
e podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um freqüentado olheiro,
que a vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
trazidos pelos pés os homens nobres,
posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados,
todos, os que não furtam, muito pobres,
e eis aqui a cidade da Bahia.

Fonte: Wikipédia


Para saber mais:

e


Cronologia:

A poesia de Gregório de Matos

Para muitos historiadores, ele é o iniciador da literatura brasileira. Mas é interessante observar ar que permaneceu inédito até meados do século XIX. Sua produção poética sobreviveu, até então, em livros manuscritos, colecionada por admiradores. As duas tentativas de publicação completa - por sinal, muito insatisfatórias - ocorreram já no nosso século XX: a edição da Academia Brasileira de Letras, em 6 volumes (1923-1933), e a edição de James Amado, em 7 volumes (1968).

Gregório recebeu influências tanto do Cultismo de Góngora quanto do Conceptismo de Quevedo. Seu espírito profundamente barroco pode ser percebido na contraditória diversidade dos temas que desenvolveu em sua obra:

a. poesia sacra (temática religiosa)
b. lírica amorosa
c. poesia satírica
d. poesia burlesca
I. Poesia sacra


Como autor barroco, não poderia faltar a poesia, religiosa em sua obra. Essa temática abrange um amplo conjunto, desde os poemas circunstanciais em comemoração a festas de santos até os poemas de contrição e de reflexão moral.

Texto

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa piedade me despido,
Porque quanto mais tenho delinqüido,
Vós tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto um pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido,
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida, e já cobrada
Gloria tal, e prazer tão repentino
vos deu, como afirmais na Sacra História:
Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada
Cobrai-a, e não queirais, Pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória
Vocabulário
despido: despeço forma regular de despedir-se.
delinqüir: pecar, cometer delito.
sobejar: ser mais que suficiene.
cobrada: recobrada, recuperada

Esse soneto de contrição é um dos mais conhecidos poemas de Gregório e segue o modelo conceptista de Quevedo. Nas questões abaixo procuraremos acompanhar os meandros do raciocínio engenhoso de um pecador que advoga sua causa, procurando convencer a Deus de que merece o seu perdão.

II- Lírica amorosa

A lírica amorosa na obra de Gregório de Matos abrange um amplo leque temático. Às vezes é a mais pura idealização do amor:

“Quem a primeira vez chegou a ver-vos,
Nise, e logo se pôs a contemplar-vos,
Bem merece morrer por conversar-vos
E não poder viver sem merecer-vos”.

Outras, uma requintada exploração da psicologia amorosa, como, por exemplo, na expressão da timidez do amante, temeroso do desprezo da amada:

“Largo em sentir, em respirar sucinto,
Peno, e calo, tão fino, e tão atento,
Que fazendo disfarce do tormento,
Mostro que o não padeço, e sei que o sinto”.

Chega também, freqüentemente, a um realismo irônico, quase cínico, como nos seguintes versos em que busca definir o amor:

“Isto, que o Amor se chama,
este, que vidas enterra,
este, que alvedrios prostra,
este, que em palácios entra:
[.......................................]
este, que o ouro despreza,
faz liberal o avarento,
é assunto dos poetas:
[.......................................]
Arre lá com tal amor!
isto é amor? é quimera,
que faz de um homem prudente
converter-se logo em besta”.

De acordo com Manuel Pereira Rebelo, seu primeiro biógrafo (início do século XVIII), o poeta teve uma paixão não correspondida pela filha de um senhor engenhoso, D. Ângela de Sousa Paredes Rabelo organizou um ciclo dos poemas que seriam expressão desse caso amoroso. Entre eles estão alguns dos mais belos da obra de Gregório de Matos.

O soneto que você vai ler agora é o sétimo poema do ciclo “Ângela”, na edição de James Amado.

Texto

Anjo no nome, Angélica na cara.
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
em quem, senão em vós se uniformara?
Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?
Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

Vocabulário
florente: brilhante
por seu Deus: como seu Deus.
custódio: aquele que guarda, o anjo da guarda.
galharda: elegante, gentil

Observe que o nome da amada sugere as duas imagens em torno das quais se organiza toda a expressão poética.

III- Poesia satírica

O “Boca do Inferno” não perdoava ninguém: ricos e pobres, negros, brancos e mulatos, padres, freiras, autoridades civis e religiosas, amigos e inimigos, todos, enfim, eram objeto de sua “lira maldizente”.

O governador Câmara Coutinho, por exemplo, foi assim retratado:

“Nariz de embono
com tal sacada,
que entra na escada
duas horas primeiro
que seu dono.”

Contudo, o melhor de sua sátira não é esse tipo de zombaria, engraçada e maldosa, mas a crítica de cunho geral aos vícios da sociedade. Sua vasta galeria de tipos humanos contribui para construir sua maior e principal personagem - a cidade da Bahia:

“Senhora Dona Bahia,
nobre e opulenta cidade,
madrasta dos naturais,
e dos estrangeiros madre.”
A cidade é assim descrita num poema:
“Terra que não aparece
neste mapa universal
com outra; ou são ruins todas,
ou ela somente é má.”

Mas nem sempre o poeta é rancoroso com sua cidade. No famoso soneto “Triste Bahia”, já musicado por Caetano Veloso, Gregório identifica-se com ela, ao comparar a situação de decadência em que ambos vivem. O poema abandona o tom de zombaria das sátiras para tornar-se um quase lamento:

“Triste Bahia! ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mim abundante.”

Depreende-se desse texto que as sátiras de Gregório de Matos desagradavam a muita gente. Por isso ele defende seu direito de escrevê-las.

Aos vícios
Eu sou aquele, que os passados anos
cantei na minha lira maldizente
torpezas do Brasil, vícios e enganos.
[.......................................................]
De que pode servir, calar, quem cala,
Nunca se há de falar, o que se sente?
Sempre se há de sentir, o que se fala?
Qual homem pode haver tão paciente,
Que vendo o triste estado da Bahia,
Não chore, não suspire, e não lamente?
[..........................................................]
Se souberas falar, também falaras,
Também satirizaras, se souberas,
E se foras Poeta, poetizaras.
A ignorância dos homens destas eras
Sisudos faz ser uns, outros prudentes,
Que a mudez canoniza bestas feras.
Há bons, por não poder ser insolente,
Outros há comedidos de medrosos,
Não mordem outros não, por não ter dentes.
Quantos há que os telhados têm vidrosos,
E deixam de atirar sua pedrada
De sua mesma telha receosos.
Uma só natureza nos foi dada:
Não criou Deus os naturais diversos,
Um só Adão formou, e esse de nada.
Todos somos ruins, todos perversos,
Só nos distingue o vício, e a virtude,
De que uns são comensais outros adversos.
Quem maior a tiver, do que eu ter pude,
Esse só me censure, esse me note,
calem-se os mais, chitom, e haja saúde.

Vocabulário
canonizar: considerar santo, incluir no rol dos santos;
quem maior a tiver: quem tiver virtude maior;
chitom: silêncio (do francês “chut donc”)
Poesia burlesca

É a poesia mais circunstancial de Gregório de Matos. De modo sempre galhofeiro, o poeta registra em versos sempre pequenos acontecimentos da vida cotidiana da cidade e dos engenhos. Segundo James amado, a poesia burlesca é a “crônica do viver baiano seiscentista”.

A maior parte foi escrita na última fase da vida do poeta, período de decadência pessoal e profisional. O doutor deixara de advogar e perambulava pelos engenhos do Recôncavo, levando sua viola de cabaça, freqüentando festas de amigos e namorando as mulatas, muitas delas prostitutas, com tom brincalhão podem freqüentemente tornar-se obscenos. “Daí, o ‘populismo’ chulo que irrompe às vezes e, longe de significar uma atitude aristocrática, nada mais é que válvula de escape para velhas obsessões sexuais ou arma para ferir os poderosos invejados” (Alfredo Bosi)

Texto:

Décimas

Quita, como vos achais
com esta troca tão rica?
eu vos troco por Anica,
vós por Nico me deixais:
vós de mim não vos queixais,
eu, Quita, de vós me queixo,
e pondo a cousa em seu eixo,
a mim com razão me tem,
pois me deixais por ninguém,
e eu por Arnica vos deixo.
Vós por um Dom Patarata
trocais um Doutor em Leis,
e eu troco, como sabeis,
uma por outra Mulata:
vós fostes comigo ingrata
com a grosseira ingratidão,
eu não fui ingrato não,
e quem troca odre por odre,
um deles há de ser podre,
e eu sou na troca odre são.
Eu com Anica querida
me remexo como posso,
vós co Patarata vosso
estarei bem remexida:
nesta desigual partida
leve o diabo o enganado,
porque eu acho no trocado,
que me vim a melhorar
mas na Moça por soldar,
que vós no Moço soldado
Se bem vos não vai na troca
pela antiga benquerença,
que farei logo a destroca:
porém se Amor vos provoca
a dar-me outros novos zelos,
hemos de lançar os pêlos
ao ar por seguridade,
e eu sei, que a vossa amizade
há de custar-me os cabelos.

Vocabulário
Patarata: ostentação ridícula, patacoada, mentira jactanciosa, pedante;
soldar: pagar (Anica é uma prostituta)
avença: (homem de boa avença) - fácil de contentar
hemos: havemos
lançar os pêlos ao ar: desnudar-se.

Soneto bem conhecido de Gregório de Matos

A cada canto um grande conselheiro
Que nos quer governar cabana e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um freqüentado olheiro,
Que a vida do vizinho, e da vizinha,
Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha
Para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos pelos pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados,
Todos, os que não furtam, muito pobres,
e eis aqui a cidade da Bahia



Fonte: Reflexão de Hélio Consolaro

Mais poemas de Gregório de Matos

http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/gregorio.html

e

http://www.revista.agulha.nom.br/grego.html

Padre Antonio Vieira

Vieira em pastel de Portinari.

António Vieira ou Antônio Vieira (Lisboa, 6 de fevereiro de 1608 — Bahia, 17 de junho de 1697) foi um religioso, escritor e orador português da Companhia de Jesus. Um dos mais influentes personagens do século XVII em termos de política, destacou-se como missionário em terras brasileiras. Nesta qualidade, defendeu infatigavelmente os direitos humanos dos povos indígenas combatendo a sua exploração e escravização. Era por eles chamado de "Paiaçu" (Grande Padre/Pai, em tupi-guarani).

António Vieira defendeu também os judeus, a abolição da distinção entre cristãos-novos (judeus convertidos, perseguidos à época pela Inquisição) e cristãos-velhos (os católicos tradicionais), e a abolição da escravatura. Criticou ainda severamente os sacerdotes da sua época e a própria Inquisição.

Na literatura, seus sermões possuem considerável importância no barroco brasileiro e as universidades frequentemente exigem sua leitura.

Mais sobre sua vida:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Padre_António_Vieira

Cronologia:
http://www.vidaslusofonas.pt/padre_antonio_vieira.htm

Os Sermões de Vieira

Os sermões, notável conjunto de obras-primas da oratória ocidental, constituem um mundo rico e contraditório, a revelar uma inteligência voltada para as coisas sacras e, simultaneamente, para a vida social portuguesa e brasileira de então.

Neles encontramos uma grande crônica da história imediata, (Vieira jamais se absteve das grandes questões cotidianas e políticas do seu século), mas nos deparamos também com uma atormentada ânsia da eternidade, que só a religião parece atender.

Acompanhe o engenho e o brilho desse texto:

Duas coisas a Igreja prega hoje a todos os mortais: ambas grandes, ambas tristes, ambas temerosas, ambas certas. Mas uma de tal maneira certa, e evidente, que não é necessário entendimento para a crer; outra de tal maneira certa, e dificultosa, que nenhum entendimento basta para a alcançar. Uma é presente, outra futura. (...) E que duas coisas enigmáticas são estas? Pulvis es et in pulverem reverteris. Sois pó e em pó vos haveis de converter. Sois pó é a presente. Em pó vos haveis de converter é a futura. (...)

Ora suposto que já somos pó e não pode deixar de ser, pois Deus o disse; perguntar-me-eis, e com muita razão, em que nos distinguimos os vivos dos mortos? Os mortos são pó, nós também somos pó. Distinguimo-nos, os vivos dos mortos, assim como se distingue o pó do pó. Os vivos são pó levantado, os mortos são pó caído; os vivos são pó que anda, os mortos são pó que jaz.

A mim não me faz medo o que há de ser o pó. Eu não temo na morte a morte, temo a imortalidade. Eu não temo hoje o dia de Cinza, temo hoje o dia da Páscoa, porque sei que hei de ressuscitar, porque sei que hei de viver para sempre, porque sei que me espera uma eternidade ou no Céu ou no Inferno. (...) Este homem, este corpo, estes ossos, esta carne, esta pele, estes olhos, este eu, e não outro, é o que há de morrer? Sim. Mas reviver e ressuscitar à imortalidade. Mortal até ao pó, mas depois do pó, imortal.

Quando considero na vida que se usa, acho que nem vivemos como mortais, nem vivemos como imortais. Não vivemos como mortais, porque tratamos das coisas desta vida, como se esta vida fora eterna. Não vivemos como imortais, porque nos esquecemos tanto da vida eterna, como se não houvera tal vida.

Ora senhores, já que somos cristãos, já que sabemos que havemos de morrer e que somos imortais, saibamos usar da morte e da imortalidade. Tratemos desta vida como mortais, e da outra como imortais. Pode haver loucura mais rematada, pode haver cegueira mais cega do que empregar-me todo na vida que há de acabar, e não tratar da vida que há de durar para sempre? Cansar-me, afligir-me, matar-me pelo que forçosamente hei de deixar, e do que hei de lograr ou perder para sempre, não fazer nenhum caso? Tantas diligências para esta vida, nenhuma diligência para a outra vida? Tanto medo, tanto receio da morte temporal, e da eterna nenhum temor? Mortos, mortos, desenganai estes vivos. Dizei-nos que pensamentos e que sentimentos foram os vossos, quando entrastes e saístes pelas portas da morte. A morte tem duas portas. Uma porta de vidro por onde se sai da vida; outra porta de diamante, por onde se entra à eternidade.


Sermão de Quarta-feira de Cinzas, pregado em Roma, no ano de 1672.
Características:
  • Utiliza continuamente passagens da Bíblia e todos os recursos da oratória jesuítica para convencer os fiéis de sua mensagem, mesmo quando trata de temas cotidianos.
  • Ataca os vícios (corrupção, violência, arrogância etc.) e defende as virtudes cristãs (religiosidade, caridade, modéstia, etc.).
  • Combate os hereges, os indiferentes à religião e os católicos desleixados em relação à Igreja.
  • Defende abertamente os índios. Mantém-se ambíguo frente aos escravos negros: ora tenta justificar a escravidão, ora condena veementemente seus malefícios éticos e sociais.
  • Exalta os valores que nortearam a construção do grande Império português. E julga (de forma messiânica) que este Império deveria ser reconstruído no Brasil.
  • Propõe o retorno dos cristãos novos (judeus) a territórios lusos como forma de Portugal escapar da decadência na qual naufragara desde meados do século XVI.
  • Apresenta uma linguagem de tendência conceptista, de notável elaboração, grande riqueza de idéias e imagens espetaculares.

Por esses e outros aspectos Fernando Pessoa o chamou de "Imperador da Língua Portuguesa".

Sebastianismo

Representação da batalha de Alcácer-Quibir, na qual desaparece Dom Sebastião.


A perda da autonomia e o desaparecimento de D. Sebastião originam em Portugal o mito do Sebastianismo (crença segundo a qual D. Sebastião voltaria e transformaria Portugal no Quinto Império). O mais ilustre sebastianista foi sem dúvida o Pe. Antônio Vieira.


Da Wikipédia:


O Sebastianismo foi um movimento místico-secular que ocorreu em Portugal na segunda metade do século XVI como conseqüência da morte do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. Por falta de herdeiros, o trono português terminou nas mãos do rei Filipe II da rama espanhola da casa de Habsburgo. Basicamente é um messianismo adaptado às condições lusas e depois nordestinas. Traduz uma inconformidade com a situação política vigente e uma expectativa de salvação, ainda que miraculosa, através da ressurreição de um morto ilustre.
Apesar do corpo do rei ter sido removido para Belém, o povo nunca aceitou o fato, divulgando a lenda de que o rei encontrava-se ainda vivo, apenas esperando o momento certo para volver ao trono e afastar o domínio estrangeiro.


Seu mais popular divulgador foi o poeta Bandarra, que produziu incansáveis versos clamando pelo retorno do Desejado (como era chamado D. Sebastião). Explorando a crendice popular, vários oportunistas se apresentavam como o rei oculto na tentativa de obter benefícios pessoais. O maior intelectual a aderir ao movimento foi o Padre Vieira.


Finalmente em 1640, pelo golpe restauracionista liderado pelos Braganças, no Porto, Portugal voltou a ser independente e o movimento começou a arrefecer no interior do Nordeste, também ser motivo da crença na chegada de um "rei bom".


O poeta português Fernando Pessoa, em seu livro "Mensagem", admite uma postura sebastianista, em busca de um patriotismo perdido. O livro ainda foi composto com muito do passado heróico de Portugal.


Para saber mais:

Fontes

A maioria dos textos teve como base o trabalho de Sergius Gonzaga em

http://educaterra.terra.com.br/literatura/barroco/indice.htm

Também foram citados textos do poeta Avaniel Marinho em

http://www.avanielmarinho.com.br/litetura_barroca.htm

Além da Wikipédia e outros sites de referência.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Literatura informativa (resumo dos conceitos-chave)

O que é?

- É um tipo de literatura composta por documentos a respeito das condições gerais da terra conquistada, as prováveis riquezas, a paisagem física e humana etc.
- Em princípio, a visão européia é idílica: a América surge como o paraíso perdido e os nativos são apresentados sob tintas favoráveis. Porém, na segunda metade do século XVI, à medida em que os índios iniciam a guerra contra os invasores, a visão rósea transforma-se e os habitantes da terra são pintados como seres bárbaros e primitivos.

Principais manifestações:

A Carta de Pero Vaz de Caminha:

- Descrição minuciosa da nova realidade;
- A simplicidade no narrar os acontecimentos;
- A disposição humanista de tentar entender os nativos;
- O ideal salvacionista.

Duas viagens ao Brasil, de Hans Staden
Viagem à terra do Brasil, de Jean de Léry:

· Relato de viajantes que viveram entre os índios vários meses.
· Registro da antropofagia e descrição dos costumes indígenas

O que mais?

Em seu primeiro século, o Brasil foi visitado por muitos viajantes e missionários europeus. Muitos deles colheram informações sobre a terra e seus habitantes. Esses relatos, por possuírem pouca importância literária, estão relacionados à crônica histórica e, por isso, são classificados como literatura de informação ou como literatura dos cronistas e viajantes.

A Carta de Pero Vaz de Caminha

Leitura organizada da Carta, a partir da estrutura do texto:

Posto que o Capitão-mor dessa Vossa Frota, assim como os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento dessa Vossa terra nova que agora nesta navegação se achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que - para o bem contar e falar - o saiba fazer pior que todos.

Entretanto, tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosear nem afear, aqui não se há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.


- Nos dois primeiros parágrafos de sua carta, Caminha explica seu objetivo com ela: dar conta ao rei do ocorrido, sendo fiel aos fatos, sem acrescentar ou tirar nada.
- Nos 3 parágrafos seguintes, o autor relata brevemente o desenrolar da viagem até que, a partir do sexto parágrafo, começa efetivamente o relato do descobrimento e da exploração do Brasil.

Da marinhagem e das singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Majestade - porque não saberei fazer e os pilotos devem ter este cuidado - e portanto, Senhor, do que hei de falar começo e digo. Que a partida de Belém foi como Vossa Alteza sabe, segunda- feira, 9 de março.

- Os dois parágrafos que vêm a seguir tratam dos primeiros sinais de terra e da primeira vista de terra que tiveram: o Monte Pascoal.

E na quarta-feira seguinte, pela manhã (22 de abril de 1500), topamos aves a que chamam fura-buchos e, neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra. A saber, primeiramente, de um grande monte, muito alto e redondo e de outras serras mais baixas ao sul dele e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o Capitão pôs o nome de Monte Pascoal e, à terra, Terra de Vera Cruz.

- Deste ponto, em diante, Caminha começa a descrever a população local, os índios, e seus primeiros contatos com os portugueses.

Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas, traziam arcos nas mãos e suas setas. Vinham todos rijos em direção ao batel e Nicolau Coelho fez sinal para que pousassem os arcos, e eles pousaram. Ali não pode deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente lhes deu um barrete e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. E um deles lhe deu um sombreiro de penas de aves, compridas, com uma copazinha pequena de penas vermelhas e pardas como de papagaio, e outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de algaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza.

- Para, em seguida, contar um pouco das primeiras explorações da terra recém descoberta.
- Ocupa dois parágrafos para descrever os índios com mais detalhes.

A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus sem nenhuma cobertura. Não fazem caso de cobrir ou mostrar suas vergonhas. E o fazem com tanta inocência como mostram o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos por eles ossos brancos verdadeiros do comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feito como roque-de-xadrez. E de tal maneira o trazem ali encaixado que não magoa nem lhes estorva a fala, nem comer, nem beber.

- Os próximos parágrafos falam sobre o comportamento dos nativos quando do contato com os brancos.

Acenderam tochas e eles entraram e não fizeram nenhuma menção de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão a acenar com a mão para a terra, e depois para o colar, como que nos dizendo que havia em terra ouro. E também viu um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e então para o castiçal como que havia lá também prata.

Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo. Tomaram-no logo nas mãos e acenaram para a terra como que dizendo haver deles ali.

Mostraram-lhes um carneiro e não fizeram caso dele.

Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo dela e não lhe queriam por a mão, depois a tomaram mas como espantados.

Deram-lhes ali de comer: pão e pescado cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo lançavam fora.

Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram à boca só de passagem, não gostaram nada dele, nem quiseram mais.


- Caminha conta, a seguir, sobre animais comestíveis encontrados na nova terra.
- Prossegue se ocupando dos vegetais comestíveis encontrados.
- Descreve as casas dos nativos e trata um pouco de sua alimentação e hábitos.

Eles não lavram, nem criam, nem há aqui boi nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem nenhuma outra alimária que seja acostumada ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame que aqui há muito e dessa semente e frutos que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios, o que não somos nós tanto com quanto comemos de trigo e legumes.

Enquanto ali neste dia andaram sempre ao som de um nosso tamboril, dançaram e bailaram conosco. De maneira que são muito mais nossos amigos que nós seus.


- Relata o que viu da fauna local

Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas árvores, deles verdes e outros pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece que haverá nesta terra muitos, mas eu não veria mais que até nove ou dez. Outras aves então não vimos, somente algumas pombas seixas e pareceram-me maiores em boa quantidade que as de Portugal. Alguns diziam que viram rolas mas eu não as vi. Mas, segundo os arvoredos serem mui muitos e grandes de infindas espécies, não duvido que por esse sertão haja muitas aves.

- Perto de terminar, Caminha faz uma conclusão bem otimista.

Nela, até agora, não podemos saber que haja ouro, nem prata, nem nenhuma coisa de metal, nem ferro lho vimos. Mas, a terra em si, é de muitos bons ares, frios e temperados como os de Entre-Doiro e Minho, porque neste tempo de agora, assim os achávamos, como os de lá. Águas são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.

Mas, o melhor fruto que nela se pode fazer, me parece, que será salvar esta gente, e esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar.


- Aproveita para pedir um favorzinho.

E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta vossa terra vi e, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe. Cá o desejo que tinha de tudo vos dizer mo fez assim pôr, pelo medo. E pois que, Senhor, é certo que assim neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida.

A Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da Ilha de S. Tomé, Jorge de Osório, meu genro, o que d'Ela receberei em muita mercê.

Beijo as mãos de Vossa Alteza.

Deste porto seguro da vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.

Pero Vaz de Caminha.

Primeira obra literária feita no Brasil

A primeira e mais importante dessas obras foi a Carta de Pêro Vaz de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral.

Portanto, Caminha, com sua Carta de Achamento, endereçada a el-rei Rei D. Manuel:

- produz a primeira obra literária no Brasil;
- mostra claramente as duas preocupações do povo português da época e que justificavam, em parte, as grandes navegações: a conquista de bens materiais e o aumento do número de fiéis adeptos ao Catolicismo. a Carta não apenas um relata o descobrimento, descreve os primeiros contados com a terra e com seus habitantes. Tudo é descrito, até mesmo as mínimas providências tomadas pela frota de Cabral;
- Caminha não se contentou em fazer um relato frio e impessoal sobre a terra descoberta no Atlântico Sul. Deixa aflorar em seu íntimo a pena de um literato. Fala com entusiasmo da terra, dos habitantes, da fauna e flora. Há nas palavras escritas de Caminha um espírito ufanista que ainda, mais de 500 anos depois, tem ecos;
- narrativa diária em que conta os fatos em ordem cronológica, facilitando muito a compreensão dos mesmos.

Literatura: produção Jesuítica (resumo dos conceitos-chave)

Paralelamente à literatura de informação, acontecia no Brasil a literatura produzida pelos padres jesuítas. Chegaram ao Brasil junto com os primeiros colonizadores e sua missão, conseqüente da Contra-Reforma, era catequizar os indígenas. Esteticamente, a literatura dos jesuítas foi a melhor produção literária feita no Brasil na primeira fase do Brasil-colônia. Os jesuítas, nesse período de catequização dos índios cultivaram:

- a poesia didática: que tinha o objetivo de dar exemplos moralizantes aos indígenas;
- a poesia sem finalidade catequizadora: relacionada a necessidade de individual de expressão;
- o teatro pedagógico: baseado em textos extraídos da Bíblia;
- e as cartas de informação: relatavam, aos líderes da Igreja Católica Portuguesa, como iam os trabalhos de catequese no Brasil.

Nos autos, obras teatrais nas quais o autor tenta conciliar os valores católicos com os mitos indígenas, há um confronto entre o bem e o mal. O bem é defendido por santos e anjos, os quais expressam o cristianismo e subjugam o mal, constituído por deuses e pajés dos nativos, misturados com os demônios da tradição católica.

Principais autores

Pe. José de Anchieta

http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_de_anchieta

Pe. Manuel da Nóbrega

http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_da_N%C3%B3brega

Ao Santíssimo Sacramento

Oh que pão, oh que comida,
Oh que divino manjar
Se nos dá no santo altar
Cada dia.

Filho da Virgem Maria
Que Deus Padre cá mandou
E por nós na cruz passou
Crua morte.

E para que nos conforte
Se deixou no Sacramento
Para dar-nos com aumento
Sua graça.

Esta divina fogaça
É manjar de lutadores,
Galardão de vencedores
Esforçados.

Deleite de enamorados
Que com o gosto deste pão
Deixem a deleitarão
Transitória.

Quem quiser haver vitória
Do falso contentamento,
Goste deste sacramento
Divinal.

Ele dá vida imortal,
Este mata toda fome,
Porque nele Deus é homem
Se contêm.

É fonte de todo bem
Da qual quem bem se embebeda
Não tenha medo de queda
Do pecado.

Oh! que divino bocado
Oue tem todos os sabores,
Vindes, pobres pecadores,
A comer.

Não tendes de que temer
Senão de vossos pecados;
Se forem bem confessados,
Isso basta.

Que este manjar tudo gasta,
Porque é fogo gastador,
Que com seu divino ardor
Tudo abrasa.

É pão dos filhos de casa
Com que sempre se sustentam
E virtudes acrescentam
De contino.

Todo al é desatino
Se não comer tal vianda,
Com que a alma sempre anda
Satisfeita.

Este manjar aproveita
Para vícios arrancar
E virtudes arraigar
Nas entranhas.

Suas graças são tamanhas,
Que se não podem contar,
Mas bem se podem gostar
De quem ama.

Sua graça se derrama
Nos devotos corações
E os enche de benções
Copiosas.

Oh que entranhas piedosas
De vosso divino amor!
Ó meu Deus e meu Senhor
Humanado!

Quem vos fez tão namorado
De quem tanto vos ofende?!
Quem vos ata, quem vos prende
Com tais nós?!

Por caber dentro de nós
Vos fazeis tão pequenino
Sem o vosso ser divino,
Se mudar.

Para vosso amor plantar
Dentro em nosso coração
Achastes tal invenção
De manjar,

Em o qual nosso padar
Acha gostos diferentes
Debaixo dos acidentes
Escondidos.

Uns são todos incendidos
Do fogo de vosso amor,
Outros cheios de temor
Filial,

Outros com o celestial
Lume deste sacramento
Alcançam conhecimento
De quem são,

Outros sentem compaixão
De seu Deus que tantas dores
Por nos dar estes sabores
Quis sofrer.

E desejam de morrer
Por amor de seu amado,
Vivendo sem ter cuidado
Desta vida.

Quem viu nunca tal comida
Que é o sumo de todo bem,
Ai de nós que nos detém
Que buscamos!

Como não nos enfrascamos
Nos deleites deste Pão
Com que o nosso coração
Tem fartura.

Se buscarmos formosura
Nele está toda metida,
Se queremos achar vida,
Esta é.

Aqui se refina a fé,
Pois debaixo do que vemos,
Estar Deus e homem cremos
Sem mudança.

Acrescenta-se a esperança,
Pois na terra nos é dado
Quanto lá nos céus guardado
Nos está.

A claridade que lá
Há de ser aperfeiçoada,
Deste pão é confirmada
Em pureza.

Dele nasce a fortaleza,
Ele dá perseverança,
Pão da bem-aventurança,
Pão de glória.

Deixado para memória
Da morte do Redentor,
Testemunho de Seu amor
Verdadeiro.

Oh mansíssimo Cordeiro,
Oh menino de Belém,
Oh Jesus todo meu Bem,
Meu Amor.

Meu Esposo, meu Senhor,
Meu amigo, meu irmão,
Centro do meu coração,
Deus e Pai.

Pois com entranhas de Mai
Quereis de mim ser comido,
Roubai todo meu sentido
Para vós

Com o sangue que derramasses,
Com a vida que perdesses,
Com a morte que quisesses
Padecer.

Morra eu, por que viver
Vós possais dentro de mim;
Ganha-me, pois me perdi
Em amar-me.

Pois que para incorporar-me
E mudar-me em vós de todo,
Com um tão divino modo
Me mudais.

Quando na minha alma entrais
É dela fazeis sacrário,
De vós mesmo é relicário
Que vos guarda.

Enquanto a presença tarda
De vosso divino rosto,
O saboroso e doce gosto
Deste pão

Seja minha refeição
E todo o meu apetite,
Seja gracioso convite
De minha alma.

Ar fresco de minha calma,
Fogo de minha frieza,
Fonte viva de limpeza,
Doce beijo.

Mitigador do desejo
Com que a vós suspiro, e gemo,
Esperança do que temo
De perder.

Pois não vivo sem comer,
Como a vós, em vós vivendo,
Vivo em vós, a vós comendo,
Doce amor.

Comendo de tal penhor,
Nela tenha minha parte,
E depois de vós me farte
Com vos ver.

Amém.

Pe. José de Anchieta

Nascimento do teatro no Brasil

Os jesuítas abrem as cortinas
O teatro no Brasil teve inicio com os jesuítas, cerca de 50 anos após o descobrimento do país. O primeiro grupo de missionários jesuítas que desembarcou na Bahia era composto de quatro sacerdotes, dentre eles o padre Manoel da Nóbrega, e alguns jovens que ainda não haviam sido ordenados. Poucos anos depois, com outro grupo, chega o padre José de Anchieta, que tinha então apenas 19 anos.

Enquanto a população portuguesa no Brasil, composta, em sua maioria, por aventureiros e criminosos, ocupava-se da construção de fortificações e da ocupação da costa, os jesuítas se preocupavam em estabelecer contatos e catequizar os indígenas. Nesse trabalho, enfrentavam não só a desconfiança dos indígenas como também dos próprios portugueses, que já haviam se habituado a uma vida desregrada, distante dos preceitos religiosos. Os missionários agrupavam os índios, formando aldeias onde podiam exercer a catequese com maior eficácia, ao mesmo tempo em que tentavam manter os nativos a salvo da avidez dos seus compatriotas.

Os jesuítas recebiam, em sua ordem, ensinamentos de técnicas teatrais, que consideravam mais eficazes e fascinantes para a educação religiosa do que, por exemplo, os sermões. Começaram, então, a misturar os costumes, máscaras, pinturas e elementos do cotidiano indígena aos seus apólogos educativos, o que resultava em espetáculos quase sempre litúrgicos, de cunho eminentemente apostolar, nos quais se juntavam anjos e flores nativas, santos e bichos, demônios e guerreiros, além de figuras alegóricas, como o Temor a Deus e o Amor de Deus.

Essa junção do religioso com o dramático já havia sido feita na China, Índia, México e outras terras. Porém, nesses locais, ao contrário daqui, já havia uma produção teatral.

A Companhia de Jesus impunha aos seus missionários o aprendizado da língua da terra onde estivessem em missão. Assim, em pouco tempo os jesuítas aprendiam as línguas indígenas e ensinavam aos índios o português e o espanhol.

A partir de 1557 começa a haver uma incessante atividade teatral, praticada não só pelos jesuítas e indígenas como também pelos próprios colonos, seduzidos pelas mensagens moralistas e pela beleza dos eventos, que eram realizados em datas festivas e ocasiões especiais.

Inicialmente, encenavam-se autos e peças religiosas trazidas de Portugal, porém logo deu-se início a uma produção dramaturgica local. Movidos mais pelo espírito missionário do que pelo desejo de reconhecimento artístico, boa parte dessas obras não era assinada, e pouco cuidado se dedicava à sua conservação. Por isso, o que nos chegou desse período foram uns poucos manuscritos, atribuídos ao padre José de Anchieta, e duas cartas do padre Fernão Cardim, datadas de 1590. Nessas cartas há descrições detalhadas de inúmeras apresentações teatrais na Bahia, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro e outros locais, tendo como platéias não só os indígenas e os colonos como também as famílias que aqui iam se constituindo e as autoridades políticas e religiosas. Esses relatos surpreendem por descreverem encenações extremamente sofisticadas para a época e condições em que aconteciam, envolvendo grande número de participantes, cenários, instrumentos musicais, fogos de artifício, etc. Num relatório de atividades enviado aos superiores da Companhia de Jesus, um outro padre narra a grande comoção que essas encenações causavam no público.

Dentre os textos cuja autoria é atribuída ao padre José de Anchieta, figuram diversos autos, como o "Auto da Pregação Universal", representado diversas vezes, o "Auto da Crisma", o "Auto das Onze Mil Virgens" e aquele que é tido como sua obra-prima: "Na festa de São Lourenço", composto por cerca de 1.500 versos em tupi (a maior parte), espanhol, português e guarani.

Paralelamente a esse teatro com finalidades de catequese e de doutrinação, os jesuítas mantinham também uma atividade teatral em latim, praticada pelos estudantes dos colégios da Companhia de Jesus. Em todos os casos, as peças eram sempre revestidas de valores morais. Raras foram as comédias e tragédias representadas nesse período. Não havia qualquer tipo de alusão ao amor profano, e as personagens femininas (geralmente as santas) eram sempre interpretadas por homens travestidos, já que as mulheres eram terminantemente proibidas de participarem das encenações, para se evitar excessos de entusiasmo nos jovens.

Como não existiam locais destinados às representações teatrais, estas aconteciam nas praças, nas ruas e dentro dos colégios e igrejas. Algumas encenações foram feitas nas praias, utilizando a própria natureza como cenário.

O envolvimento e a paixão dos jesuítas pelo teatro era tamanha que o bispo Fernandes Sardinha chegou a declarar-se assustado com o que ele chamou de "excessos teatrais" dos missionários, que, além de escrever os textos e coordenar as montagens, não hesitavam em representar, cantar e até dançar. Por causa desses tais excessos, vários missionários foram censurados publicamente pelo bispo - dentre eles o padre Manuel da Nóbrega.

domingo, 22 de julho de 2007

"Na Festa de São Lourenço", auto do Padre José de Anchieta

Personagens:
Guaixará, rei dos diabos
Aimbirê, criado de Guaixará
Saravaia, criado de Guaixará
Tataurana, Urubu, Jaguaruçu, e Caboré, companheiros dos diabos
Décio, imperador romano
Valeriano, imperador romano
São Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro
São Lourenço, padroeiro da aldeia de São Lourenço
Velha
Anjo
Temor de Deus
Amor de Deus
Acompanhantes
Meninos

A peça foi apresentada pela primeira vez por volta de 1585, no Terreiro da Capela de São Lourenço, em Niterói.

TRECHO

SÃO LOURENÇO Quem és tu?

GUAIXARÁ Guaixará, o ébrio.
Sou o grão boicininga e jaguar.
Como gente, sei brigar.
Voador, andirá-guaçu,
Demônio que quer matar.

SÃO LOURENÇO E esse, então?

AIMBIRÊ Jibóia e socó,
Sou o grão índio tamoio Aimbirê.
Sou sucuriju, gavião,
Tamanduá feio, diabão,
Luminoso como quê!

SÃO LOURENÇO Mas que quereis, que buscais
Na terra que me pertence?

GUAIXARÁ Amando os índios, não pense
Alguém que aqui manda mais
Do que nós, que ninguém vence.
Deles, como coisa nossa,
Gostamos sinceramente.

SÃO LOURENÇO Mas quem há aí que vos possa
Ter confiado, como vossa
Propriedade essa gente?
Deus foi quem
O corpo e uma alma também
Quis dar a essa gente amiga.

GUAIXARÁ Deus? É possível... Porém
Seus costumes não são bem
Coisa lá pra que se diga...
É gente ruim:
Nega a Deus, peca, e por fim
Disso tudo ainda se gaba.

AIMBIRÊ A cuia das velhas, sim,
É que é bom, quando o cauim
Regurgita na igaçaba.
As cabeças da festança
Amortecem-lhe o valor. E
xcitada pela dança,
Desrespeita ao Criador:
E ganhamos o seu amor.

SÃO LOURENÇO
De certo não têm vontade
De vir rezar quando é hora?
Esquivam-se? Vão-se embora?

AIMBIRÊ Tal e qual. Sua piedade
É da boca pra fora.

SARAVAIA Isso é que é. Lá entre os seus
Cada um deles, sem temer,
Provoca a Deus a valer,
Dizendo: "Será que Deus tem olho pra me ver?"

(SURGE SÃO SEBASTIÃO)

SÃO SEBASTIÃO Alguma rata nojenta?
Um catingudo gambá?
Será que és a noite má
Que as galinhas afugenta
E empobrece o índio? Será?

SARAVAIA Passei a noite com fome dessas almas,
De atalaia...

GUAIXARÁ Cala a boca, Saravaia!

SARAVAIA Não pronuncies o meu nome,
Que ele me mata à tocaia!
Esconde-me dele,
E eu fico espionando por ti.

GUAIXARÁ Dir-lhe-ei que não te vi.
Oculta-te e cala o bico.
Depois sairás daqui.

SARAVAIA Vou meter-me em qualquer parte.
Ainda bem que não me viu...

SÃO SEBASTIÃO Arreda, que vou flechar-te!

GUAIXARÁ Está dormindo um pouco... Psiu...

SÃO SEBASTIÃO Passou a noite acordado,
Tentando índios por aí afora!

SARAVAIA (De fato. Ele não ignora...)

(GUAIXARÁ AÇOITA SARAVAIA)

GUAIXARÁ Por que não ficas calado?
Olha que ele te devora!

SARAVAIA Ui! Ai de mim!
Por que me bates assim?
Não há olhos que me vejam...

AIMBIRÊ Retirai-vos já, que eu vim
Ver meus súditos, enfim,
Que há muito eles me desejam.

SÃO SEBASTIÃO E quem são eles?

AIMBIRÊ Os velhos da aldeia,
Os moços, as moças, todos que eu prender.
Todos aqueles cujas peles
Tenho sob o meu poder.
Direi os vícios da taba
Para que creias em mim.

SÃO SEBASTIÃO Seja! Ouvirei até o fim.

AIMBIRÊ Têm sempre cheia a igaçaba
E nunca falta o cauim.
De tão bêbados
Não há quem se fira, brigando.

SÃO SEBASTIÃO O velho morubixaba já os advertiu,
Censurando.

AIMBIRÊ Censura os índios? Pois sim!
O próprio festeiro, às claras,
Convida a todos assim:
"Morubixás, moçacaras,
Vinde todos, vinde a mim!
"Então, toda a rapaziada
Aceita o convite, e vem
Banquetear-se, e se entretém
A atacar as moças, cada
Qual como mais lhe convém.

GUAIXARÁ Espera aí, que te ajudo!
As velhas brigam e mentem.
Ódio apenas é o que sentem!
Vão maldizendo de tudo,
E as que calam, consentem...
Vivem pecando as danadas,
Vagabundas, tagarelas,
Tomando filtros, com que elas
Esperam fazer-se amadas
E até tornar-se mais belas.

AIMBIRÊ E esses rapazes, então,
Que vivem importunando
As mulheres, cobiçando
Escravas do branco, e vão
Covardemente escapando?

GUAIXARÁ Seria um nunca acabar,
Ainda que o sol entrasse!
A taba é que é pecar!

SÃO LOURENÇO Mas existe a confissão,
O remédio salutar
Para a alma enferma curar.
E, depois, a comunhão,
Que faz de todo sarar.
Contrito, o índio se prepara,
Depois vai se confessar:
"Eu quero ser bom", declara.
E o padre o abençoa
Para a ira divina aplacar.

GUAIXARÁ É como se não tivessem pecados
Que se confessam!
Suas faltas todas cessam,
Seus vícios desaparecem
Mas logo mais recomeçam!

AIMBIRÊ E, já perdoados,
"De todos os meus pecados
Me arrependo até a morte",
Dizem esses descarados.

GUAIXARÁ Não te basta?
Aí estão desfiadosS
eus ardis de toda sorte.

SÃO LOURENÇO Odiando-os dessa maneira
O que quereis é perdê-los.
Mas junto a mim hei de tê-los,
Suplicando a Deus que queira
Para sempre defendê-los.
Confiaram em mim, primeiro,
Construindo esta capela,
Curando-se à sombra dela,
Tomando-me por padroeiro,
Pedindo a minha tutela.

GUAIXARÁ Confiaram por um momento.
Hás de auxiliá-los em vão,
Que eu os terei em minha mão.
Eu vôo como este vento,
E comigo eles voarão.
Aimbirê, vamos depressa,
Porque nos esperam nossos crentes.

AIMBIRÊ Ranjo as presas como quê...
Eis meus chifres e minhas unhas. Vê?
Meus longos dedos, meus dentes!

ANJO Não o espereis, pois não penso
Deixar esta aldeia à mão.
Aqui estou eu, seu guardião,
Ao lado de São Lourenço,
Junto de São Sebastião.
Coitados de vós, que o eterno
Rancor de Deus provocastes!
Esta aldeia perturbastes!
Há de queimar-vos o inferno!
Prendei-os! Que isso lhes baste!

Fonte: http://www.brazilsite.com.br/teatro/teat01b.htm

Para aprofundar: Literatura dos Conquistadores

Recomendo trabalho de Sergius Gonzaga em

http://educaterra.terra.com.br/literatura/conquistadores/conquistadores_11.htm

terça-feira, 10 de julho de 2007

Meu ideal seria escrever...

Rubem Braga

Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse - "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria - "mas essa história é mesmo muito engraçada!".

Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.

Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse - e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aqueles pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse - "por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!". E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.

E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago - mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina".

E quando todos me perguntassem - "mas de onde é que você tirou essa história?" - eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi um sujeito contar uma história...".

E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.


A crônica acima foi extraída do livro "A traição das elegantes", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1967, pág. 91.

Crônica, na visão de Artur da Távola


A crônica é a expressão das contradições da vida e da pessoa do escritor ou jornalista, exposto que fica, com suas vísceras existenciais à mostra no açougue da vida, penduradas à espera do consumo de outros como ele, enrustidos, talvez, na manifestação dos sentimentos, idéias, verdades e pensamentos.

Já escrevi mais de cinco mil crônicas. E a uns estudantes que me pediram uma síntese sobre o gênero, respondi o seguinte:

É o samba da literatura. É ao mesmo tempo, a poesia, o ensaio, a crítica, o registro histórico, o factual, o apontamento, a filosofia, o flagrante, o miniconto, o retrato, o testemunho, a opinião, o depoimento, a análise, a interpretação, o humor. Tudo isso ela contém, a polivalente. Direta a simples como um samba. Profunda como a sinfonia.

É compacta, rápida, direta, aguda, penetrante, instantânea (dissolve-se com o uso diário), biodegradável, sumindo sem poluir ou denegrir, oxalá perfume, saudade e algum brilho de vida no sorriso ou na lágrima do leitor.

A literatura do jornal. O jornalismo da literatura. É a pausa de subjetividade, ao lado da objetividade da informação do restante do jornal. Um instante de reflexão, diante da opinião peremptória do editorial.

É tímida e perseverante. Não se engalana com os grandes edifícios da literatura, mas pode conter alguns de seus melhores momentos. Não se enfeita com os altos sistemas de pensamento, mas pode conter a filosofia do cotidiano e da vida que passa. Não se empavona com a erudição dos tratados, mas pode trazer agudeza de percepção dos bons ensaios.

Para ser boa, não deve ser mastigada. Deve dissolver-se na boca do leitor, deixando um sabor de vivência comum. Deve parecer que já estava escrita há muito tempo na sensibilidade de quem a lê e foi apenas lembrada ou ativada pelo escritor/jornalista que lhe deu forma.

Deve ser rápida como a percepção e demorada como a recordação. Verdadeira como um poente e esperançosa como a aurora. Irreverente como um carioca. Suave como pele de mulher amada e irritada como uma criança com fome.

Terna como a amamentação e insegura como toda primeira vez. Religiosa como a portadora do mistério e agnóstica como um livre pensador. A crônica nos obriga à síntese, à capacidade de condensar emoções em parágrafos-barragem. Faz-nos prosseguir, mesmo quando nos sentimos repetitivos. É, pois, a expressão jornalístico-literária da necessidade de não desistir de ser e sentir. A crônica é o samba da literatura.


[Artur da Távola , Jornal O Dia, 27 de junho de 2001]